Focos de queimadas crescem 78% em apenas um mês na Bahia
O mês de agosto trouxe um destaque negativo para o estado: segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), focos de queimadas saltaram 78% na Bahia. Enquanto julho teve 530 focos em todo estado, em agosto o número foi para 947. A previsão é que setembro ultrapasse a linha, visto que em cinco dias o mês já registrou 21% do total registrado no mês passado.
Doutor em geologia e especialista em estudos de ecologia de fogo, Washington Franca-Rocha explica que queimadas são fenômenos naturais que atingem áreas de clima árido, como cerrado. O processo climático, porém, é somado a intervenções humanas com uso de fogo para limpeza da vegetação ou preparo do solo na agricultura ou pecuária, prática que reduz a riqueza do solo e intensifica degradação.
A zona do cerrado no oeste baiano, onde estão cidades como Barreiras, Luís Eduardo Magalhães e Baianópolis, é a área mais afetada no estado. Nesta época, os municípios chegam a registrar temperaturas acima dos 37°C junto à baixa umidade que, somados ao manejo do fogo, causam queima desenfreada.
Só na região, de acordo com dados fornecidos pelo geógrafo Eneas Porto, da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA), foram identificados 8.526 focos de calor e 28.900 hectares atingidos em 2021, ante 1.617 focos e 1.150 hectares neste ano. Especialistas alertam que o pico das queimadas ainda não aconteceu no estado em 2022.
Agricultora em São Desidério - município no oeste baiano -, Suely de Barros, 43, conta que, esse ano, a região só teve um grande incêndio, mas proprietários locais sofrem até hoje com degradação provocada há mais de três anos. “Trabalho com colheita do pequi. Tenho que buscar muito longe porque por perto não tem mais o que catar. Não está nascendo mais. O que mais afetou na colheita do ano passado foi o fogo. A gente não teve nem como colher porque o fogo pegou tudo”, lamenta. Produtos como caju, pequi e buriti tornaram-se difíceis de encontrar devido às queimadas. O capim dourado já não é mais encontrado na região.
“Me afeta porque dá muita doença respiratória, crianças e idosos sofrendo com a fumaça. A gente fica sem colheita, principalmente o buriti, que dá a cada quatro anos e acaba perdendo bastante porque é uma fonte de renda boa. Antes colhia 10 baldes de caju, agora colhemos três”, enumera as perdas.
As queimadas resultam também na perda da biodiversidade e agravamento do efeito estufa, intensificando mudanças climáticas, como aconteceu com as enchentes que atingiram o sul do estado em dezembro de 2021.
É tendência haver aumento de julho para agosto e para setembro. Em 2021, o INPE marcou respectivamente 732, 1.470 e 6.491 focos ativos nestes meses. Nos últimos 12 meses, a partir de outubro de 2021 até setembro de 2022, houve oscilações com decréscimo e expectativa de aumento a partir do segundo semestre. Outubro, novembro e dezembro de 2021 marcaram 3.630, 135 e 61 focos. Na mesma linha, janeiro (149), fevereiro (137), março (233), abril (108) e maio (396) registraram oscilações com baixo valor e, ao final do primeiro semestre, houve aumento: junho (632), julho (530) e agosto (947).
Para evitar as ocorrências, conforme a Lei nº 9.605/1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais, provocar incêndio em mata ou floresta implica numa pena de prisão por dois a quatro anos e multa. Especialistas e representantes, contudo, afirmam que a punição para o desmatamento é baixa.
Na Bahia, só 1,7% do número total de alertas de desmatamento foram respondidos com algum tipo de ação. O Relatório Anual de Desmatamento no Brasil do MapBiomas mostra que 30 alertas tiveram ação dos órgãos estaduais do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e Ministério Público da Bahia (MP-BA) entre 2020 e 2021. As áreas atendidas representam 0,3% do total de alertas no estado.
A reportagem entrou em contato com o Inema e o MP-BA solicitando confirmação dos dados, porém, não recebeu resposta.
Bombeiros lançam Operação Bahia Sem Fogo na próxima semana, em Barreiras
O Corpo de Bombeiros Militar da Bahia (CBM-BA) lançará no dia 14 a Operação Bahia Sem Fogo, ação em larga escala para atender situação de focos de incêndio. A base estará em Barreiras, no oeste da Bahia, mas o trabalho será integrado e o órgão estará atendendo chamadas em outras regiões.
O objetivo é colocar até 150 bombeiros em cada base com dedicação exclusiva à operação. Porém, no momento, a atuação é de 40 por base, com acréscimo a depender da demanda. O tenente-coronel José Lusquinhos diz que já se espera o aumento para setembro e outubro. “Em média, setembro vai chegar a dois mil focos [diários]”, afirma.
Junto aos bombeiros atuam brigadistas de incêndio. Neste ano, o CBM-BA já formou 599 para demandas de queimadas. Gilmar dos Anjos, 43, é pedreiro e brigadista no combate à incêndio desde 2011. Ele conta que, no período crítico deste ano, já recebeu 30 denúncias. Contudo, devido ao número reduzido de brigadistas, a equipe só conseguiu atender a sete.
“É o período que chamamos de crítico. Em 19 de agosto, alguém colocou fogo em uma área e passou para mata. Começamos às 17h e passamos a noite inteira [apagando]. Contatamos o corpo de bombeiros e, a partir do quarto dia, trabalhamos em conjunto”, relembra o caso que levou mais de uma semana para ter o fogo contido. Na ocasião, aproximadamente 1.425 hectares foram queimados.
Para o presidente da Save Cerrado, Paulo Bellonia, a ação dos brigadistas é uma das medidas mais importantes para reduzir o impacto das queimadas. Contudo, visto que a extensão do território baiano é vasta, a melhor medida é promover educação ambiental a evitar práticas de manejo de fogo que causam incêndios desenfreados.
Para evitar as queimadas e garantir a qualidade do fornecimento de energia, a Neoenergia Coelba reforça dicas:
- Apague com água as fogueiras em acampamentos para evitar que o vento leve as brasas para a mata;
- Não jogue pontas de cigarro acesas em acostamentos de rodovias ou regiões de matas;
- Não queime lixo, principalmente próximo a culturas e vegetação. O ideal é separá-lo corretamente e depositá-lo nos locais de coleta indicados por seu município.
- Não jogue pontas de cigarro nas faixas de rolamento das estradas.
- Não fazer queimadas para limpar pastagens ou áreas de plantações;
- Caso um foco de incêndio que atinja a rede elétrica seja identificado, não deve ser apagado com água. O mais seguro é acionar o Corpo de Bombeiros pelo telefone 193.
Ministra defende criação de gado para evitar queimadas: ‘Boi é bombeiro do Pantanal
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou nesta sexta-feira (9) que o boi é o “bombeiro do Pantanal”, ao argumentar que, se se houvesse mais gado no bioma, as queimadas poderiam ser menores. Em sua avaliação, o fato de boi comer capim seco e inflamável diminuiria o risco de alastramento do fogo.
A auxiliar de Jair Bolsonaro participou de audiência na comissão do Senado que acompanha ações contra as queimadas no Pantanal.
“O boi é o bombeiro do Pantanal, porque é ele que come aquela massa do capim, seja ele o capim nativo ou o capim plantado, que foi feita a troca. É ele que come essa massa para não deixar como este ano nós tivemos. Com a seca, a água do subsolo também baixou os níveis. Essa massa virou um material altamente combustível”, avaliou a ministra. As informações são do G1.
Apesar da declaração da ministra da Agricultura, especialistas dizem que essa lógica do gado evitar as queimadas é um mito. Em nota, a ONG de proteção ambiental Greenpeace explicou o argumento de Tereza Cristina é “equivocado”. O desmonte na gestão ambiental promovido pelo governo, na verdade, seria uma das causas das queimadas descontroladas no Pantanal.
De acordo com a ONG, o cenário de seca severa já era previsto, com focos de calor muito acima da média, e ainda assim não foram tomadas medidas efetivas de combate e prevenção aos incêndios.
“Se não tivesse ocorrido um desmonte da gestão ambiental no Brasil, a situação não teria chegado a este nível de gravidade”, disse o Greenpeace em nota.
Quase 3 mil focos de queima foram registrados na Bahia em 2020, segundo o Inpe
Historicamente, na Bahia, setembro é o primeiro mês do período de maior incidência de incêndios, que vai até dezembro e coincide com o período de poucas chuvas. Ainda assim, de 1º de janeiro até o dia 22 desse mês, quase 3 mil focos de queima foram registrados no estado, segundo os dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Outros 13 incêndios florestais ocorreram, cinco destes ainda em combate nas cidades de Barra, Buritirama, Cocos, Luiz Eduardo Magalhães e Correntina, todas do oeste da Bahia, segundo a Secretaria estadual do Meio Ambiente (Sema).
A cidade com mais fogo registrado é Formosa do Rio Preto, com 291 focos, ou 10% do total registrado na Bahia. Ela está na liderança, seguida por outras 10 cidades que também estão localizadas no oeste baiano. "A região da Chapada e do Oeste baiano são as duas que concentram a maior quantidade de focos de calor. Aliado a isso, tem uma grande quantidade de matérias seca. Sem chuva, temperatura alta e focos de calor é um ambiente propício para o fogo”, explicou o secretário da Sema, o engenheiro agrônomo João Carlos Oliveira da Silva.
Segundo o Inpe, as contagens de focos de queima são indicadores da ocorrência de fogo na vegetação e permitem comparações temporais e espaciais. Uma queimada pode abranger vários focos de queima, a depender do seu tamanho. O prefeito de Formosa do Rio Preto, Termosires Dias, foi procurado para comentar a situação da sua cidade, mas não retornou até o fechamento da reportagem.
Já para a Secretaria de Meio Ambiente do estado, queimadas também são diferentes de incêndios florestais.
“A queimada é uma antiga prática florestal que utiliza o fogo de forma controlada para viabilizar a agricultura ou renovar as pastagens. Já o incêndio florestal é o fogo sem controle, que incide sobre qualquer forma de vegetação, podendo tanto ser provocado pelo homem (intencional ou negligência), quanto por uma causa natural, como os raios solares, por exemplo”, explicou a assessoria.
Incêndio
Ainda não foram identificadas as causas do incêndio registrado em Barra, que já consumiu, pelo menos, mais de 30 hectares de vegetação caatinga, o que seria equivalente a 30 campos de futebol, segundo o prefeito da cidade, Deonisio Ferreira de Assis. No entanto, com o fogo ainda não foi totalmente combatido, a área destruída deve ser bem maior. Um número oficial deve ser divulgado nos próximos dias.
“O local atingido fica na zona rural, principalmente na localidade de Poço Novo. É um espaço pouco habitado, não tem muitas fazendas, mas tem pequenos proprietários, pessoas que vivem da agricultura familiar e extração de mel. Não tivemos registros de pessoas que precisaram abandonar suas casas ou mesmo de que ficaram feridas. A fumaça não atingiu a zona urbana do município”, explicou o prefeito de Barra, cidade de pouco mais de 50 mil habitantes.
Deonisio também explicou que os incêndios em Barra, como em toda região oeste, são comuns. No entanto, essa foi a primeira vez que o fogo atingiu essas proporções. Para o combate, a brigada de incêndios da região e agentes do Corpo de Bombeiros estão no combate. Duas aeronaves com sistema de lançamento de água foram enviadas pelo Instituto Do Meio Ambiente E Recursos Hídricos (Inema) e está combatendo o fogo nas áreas de difícil acesso.
“Estou em contato com o secretário estadual de meio ambiente, que nos disponibilizou outras aeronaves, caso venha a ser necessário. Nossa expectativa é que o incêndio se encerre nos próximos dias”, disse o prefeito. O secretário João Carlos Oliveira confirmou o contato com a prefeitura e destacou que o incêndio criminoso é passível de punição, conforme previsto na Lei de Crimes Ambientais. As penalidades vão desde a reclusão, que varia de seis meses a quatro anos ou à aplicação de multa.
“O Inema publicou uma portaria no dia 21 de agosto de 2020, proibindo a queima controlada até o fim do ano, para evitar que elas saim do controle e se tornem incêndios. No caso de Barra, se for identificado que o fogo veio de uma queima controlada, o infrator pode ser responsabilizado”, disse o secretário.
Em nota, o Corpo de Bombeiros disse que os bombeiros especialistas em incêndios florestais estão desde o último sábado (19) no combate ao fogo, logo que foram acionados. “O clima é um dos fatores que influenciam os incêndios florestais. Nesta época do ano, as condições meteorológicas ficam mais propícias a potencializarem a ação das chamas, mas segundo dados estatísticos obtidos em literaturas sobre o tema, estima-se que cerca de 95% dos incêndios florestais, têm relação com a ação humana. Se cada um colocar em prática a prevenção, o incêndio será evitado ou controlado com maior eficácia”, disseram.
Pantanal
O incêndio florestal que atinge o oeste da Bahia acontece ao mesmo tempo que o Pantanal sofre com o fogo. Lá, mais de 2,9 milhões de hectares da vegetação foi queimada, segundo o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais. É pensando no prejuízo ambiental que 25 voluntários da Brigada de Resgate Ambiental de Lençóis, que atua na Chapada Diamantina, querem ir até o local para atuar na região.
Eles estão arrecadando fundos que possa custear a viagem. “Nós precisamos arrecadar R$ 960 mil para ficar 30 dias em campo. Mas o nosso plano é de que, quando arrecadarmos R$ 40 mil, vamos partir cobrindo os custos restantes com a nossa finança pessoal, enquanto as outras equipes continuarão tentando arrecadar mais recursos”, conta o coordenador do grupo, Augusto Galinares.
A equipe possui 25 anos de experiências em mais de 450 combates a incêndios florestais. “Somos um dos primeiros grupos do estado focado no combate noturno, que vai da 16h até 6h da manhã. Esse é o horário que se tem mais facilidade para vencer o fogo”, disse Galinares.
Um dos incêndios que a brigada já atuou foi o que atingiu a Chapada Diamantina em 2015. “Foi mais de um mês de combate e foi preciso que a gente fosse sustentado pela sociedade”, lembra. Agora, a equipe já conseguiu juntar cerca de R$ 9 mil. Para ajudar, entre em contato pelo telefone (75) 99891-0904 ou o Instagram @brigadabralchapada.