A Prefeitura de Alagoinhas, a 124km de Salvador, decidiu eleger como grupo prioritário para a vacinação contra a covid-19 os estudantes de medicina de instituições de fora do país, que poderiam se imunizar no município desta terça-feira, 06 até a quinta-feira, 08 de julho. A medida, postada nas redes sociais da administração municipal na noite de segunda-feira (05), irritou moradores da cidade como a estudante Victória Veiga, 22 anos, que ficou sabendo da iniciativa pela internet.
"Todas as pessoas que eu conheço e que conversei sobre [o assunto], receberam essa informação com indignação. Não faz o menor sentido colocar como prioridade um grupo que nem sequer estuda, estagia ou atua na cidade", diz a jovem.
Outros moradores de Alagoinhas, ontem, usaram as redes sociais para expressar o descontentamento com a notícia. Procurada pela reportagem, a prefeitura da cidade não se manifestou sobre o caso até o fechamento desta reportagem, às 23h30 desta terça-feira, 06.
O analista de qualidade Mateus Moraes, 20, foi um dos moradores que criticou a decisão e afirmou que ‘a campanha de vacinação na cidade é orientada por status e não pela necessidade de salvar vidas’. "A prefeitura está utilizando critérios sem fundamento. Existem pessoas muito mais expostas ao vírus como os professores com menos de 30 anos, os comerciantes e a classe industrial. A vacinação aqui tem sido mais valorizada pelo status que gera para a prefeitura, no sentido de dizer que está imunizando mais gente que as outras cidades, do que pelo cuidado com as pessoas", opina o jovem, que relata que só existem dois pontos de vacinação em toda a cidade, o que causa aglomeração nas filas e expõe os cidadãos.
Indignação
Ainda de acordo com o analista, enquanto a gestão municipal elege estudantes de medicina que não estudam no município como grupo prioritário, estudantes de cursos de saúde que moram em Alagoinhas não receberam ainda a vacina anticovid.
Esse é o caso, por exemplo, da graduanda Kamilla Queiroz, 23 anos, que estuda odontologia. Ela é aluna da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), mas é natural de Alagoinhas e está na cidade natal desde o início da pandemia. Inclusive, Kamila conseguiu obter o direito à vacinação por conta das clínicas odontológicas que a UEFS mantém para a prática dos futuros profissionais e que estão paradas por conta da crise sanitária, mas acabou não se imunizando porque, no centro de vacinação da cidade, foi informada de que precisaria tomar as doses a que teria direito em Feira de Santana, onde a sua faculdade está situada.
Para ela, ver o anúncio de que quem estuda fora do país pode se vacinar, enquanto quem estuda na Bahia teve o direito à vacina negado foi uma surpresa desagradável:
"Nós, estudantes e moradores fomos pegos de surpresa com essa notícia, de forma vergonhosa. Por que pessoas que fazem faculdade de medicina em outro país são prioridade aqui? Por que a negligência com os estudantes de saúde do próprio município? Todos com quem conversei estão profundamente irritados e questionando se a prioridade da vacinação é o dinheiro", declarou Kamilla à reportagem.
Não precisa nem ser prejudicado diretamente pela prioridade para estar contra a decisão da prefeitura. Entre as pessoas ouvidas pelo CORREIO, a indignação é unanimidade. Uma moradora, que preferiu não se identificar, não poupou críticas à atual gestão.
"Eu acho um absurdo essa mobilização para vacinar estudantes de fora do país. Não tem lógica nenhuma. Acredito que, se fosse para ter prioridade, deveria ser para quem trabalha na rua, para o pessoal do camelódromo ou trabalhadores de lojas que correm mais riscos", afirmou a moradora.
O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), que tem monitorado a vacinação na Bahia e chegou a protocolar pedidos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a vacinação determinados grupos, considerados prioritários em decisões da CIB – Comissão Intergestores Bipartite; além de orientar secretarias de saúde de prefeituras a não fazer a vacinação desses grupos, foi procurado para falar sobre o caso de Alagoinhas, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
O que diz a Sesab
A Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), também foi procurada e declarou que, na campanha de vacinação no estado, ainda há determinados grupos com prioridades para a imunização, mas salientou que outros não serão adicionados. No mês passado, a CIB decidiu que a vacinação no estado deveria seguir pelo critério de idade, com exceção dos grupos prioritários já estabelecidos.
"Os grupos prioritários continuam existindo, o que não ocorrerá mais é a inclusão de novos grupos. É preciso ficar claro que todas as pessoas têm o direito à imunização no Sistema Único de Saúde (SUS)", escreveu a Sesab, em nota enviada à reportagem.
A secretaria afirmou ainda que não tem conhecimento da situação de Alagoinhas, mas deixou claro que estudantes de medicina durante o internato estão dentro dos grupos prioritários.
"Ressaltamos ainda, apenas como exemplo, que existem brasileiros que estão viajando para os Estados Unidos para serem imunizados. Um estrangeiro que recebe uma dose da vacina em seu país e viaja para o Brasil tem direito a tomar a segunda dose, caso esteja em trânsito. A vacinação é universal contra a covid-19. Não há, portanto, qualquer ‘fura-filas’ no caso hipotético por ser de outro país", concluí a nota da Sesab.