As mil pessoas mais ricas do mundo levarão apenas nove meses para ver suas fortunas retornarem aos níveis pré-pandemia, enquanto os mais pobres vão levar 14 vezes mais, ou seja, mais de dez anos, para conseguir repor as perdas devido ao impacto econômico da doença. A conclusão é do relatório O Vírus da Desigualdade, que será lançado pela Oxfam nesta segunda-feira (25), na abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.

Em fevereiro de 2020, foi identificado o valor da fortuna dos mais ricos, representando 100%. Em março, essa riqueza caiu para 70,3%, voltando aos 100% em novembro. Como base de comparação sobre a velocidade dessa recuperação, os mais ricos do mundo levaram cinco anos para recuperar o que perderam durante a crise financeira de 2008.

“A pandemia escancarou as desigualdades – no Brasil e no mundo. É revoltante ver um pequeno grupo de privilegiados acumular tanto em meio a uma das piores crises globais já ocorridas na história”, afirmou Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Enquanto os super-ricos lucram, os mais pobres perdem empregos e renda, ficando à mercê da miséria e da fome.”

O relatório mostra que, em todo o mundo, os bilionários acumularam US$ 3,9 trilhões entre 18 de março e 31 de dezembro de 2020, sendo que sua riqueza total hoje é de US$ 11,95 trilhões, o equivalente ao que os governos do G20 gastaram para enfrentar a pandemia. Apenas os dez maiores bilionários acumularam US$ 540 bilhões no período – o suficiente para pagar pela vacina contra a covid-19 para todo o mundo e garantir que ninguém chegue à situação de pobreza.

Por outro lado, a pandemia deu início a uma crise em relação aos empregos, que, segundo a Oxfam, é a pior em mais de 90 anos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que cerca de meio bilhão de pessoas estão agora subempregadas ou sem emprego, enfrentando miséria e fome. “Quando o coronavírus chegou, mais da metade dos trabalhadores e trabalhadoras dos países de baixa renda viviam na pobreza, e 75% dos trabalhadores e trabalhadoras do mundo não tinham acesso a proteções sociais como auxílio-doença ou seguro-desemprego”, observa a entidade.

Diante desses dados, o relatório revela que a pandemia de covid-19 tem o potencial de aumentar a desigualdade econômica em quase todos os países ao mesmo tempo, o que acontece pela primeira vez desde que as desigualdades começaram a ser medidas há mais de 100 anos. Para a Oxfam, a sociedade, empresas, governos e instituições devem agir com base na urgência de criar um mundo mais igualitário e sustentável.

“A crise provocada pela pandemia expôs nossa fragilidade coletiva e a incapacidade da nossa economia profundamente desigual trabalhar para todos. No entanto, também nos mostrou a grande importância da ação governamental para proteger nossa saúde e meios de subsistência. Políticas transformadoras que pareciam impensáveis antes da crise, de repente se mostraram possíveis. Não pode haver retorno para onde estávamos antes da pandemia”, diz o texto.

Economias mais justas são a chave para uma recuperação econômica rápida da pandemia, segundo avaliação da Oxfam. A existência de um imposto temporário sobre os excessivos lucros obtidos pelas 32 corporações globais que mais lucraram durante a pandemia poderia arrecadar US$ 104 bilhões em 2020. O valor, conforme estima a Oxfam, seria o suficiente para providenciar auxílio-desemprego para todos os trabalhadores afetados durante a pandemia e para dar apoio financeiro a todas as crianças e idosos em países de renda baixa ou média.

“A desigualdade extrema não é inevitável, mas uma escolha política. Os governos pelo mundo precisam utilizar este momento de grande sofrimento para construir economias mais justas, igualitárias e inclusivas, que protejam o planeta e acabem com a pobreza. A nova fase pós-pandemia não pode ser uma repetição de tantos erros do passado, que nos legaram um mundo que beneficia poucos às custas de milhões”, acrescentou Katia.

Para ela, a recuperação econômica tem que incluir as pessoas em situação de vulnerabilidade e não pode haver recuperação econômica sem responsabilidade social. A necessidade de reparação da desigualdade se dá ainda diante de outro fator de alerta mostrado pelo documento: a insegurança alimentar.

O relatório concluiu que o impacto da pandemia sobre empregos e meios de subsistência fez, expandir de forma rápida e significativa, a crise alimentar. O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA) estimou que o número de pessoas que passam fome aumentaria para 270 milhões no fim de 2020 por causa da pandemia, um aumento de 82% em comparação a 2019. A Oxfam considerou que isso poderia significar entre 6 mil e 12 mil pessoas morrendo a cada dia de fome, associada à crise até o fim de 2020.

“Enquanto uma em cada dez pessoas vai para a cama com fome, as oito maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo pagaram mais de US$ 18 bilhões a seus acionistas entre janeiro e julho de 2020. Isso é cinco vezes mais do que os valores arrecadados pela ONU, em novembro de 2020, com a chamada para doações para a covid-19”, diz o documento.

No que diz respeito ao gênero, as mulheres são as que mais sofrem neste contexto, conforme o documento. Elas são maioria nos empregos mais precários, que foram os mais impactados pela pandemia. Em todo o mundo, 740 milhões de mulheres trabalham na economia informal e, durante o primeiro mês da pandemia, sua renda caiu 60%, o equivalente a uma perda de mais de US$ 396 bilhões, segundo dados apresentado pela Oxfam.

Nos Estados Unidos, 22 mil pessoas negras e hispânicas ainda estariam vivas, até dezembro do ano passado, se tivessem a mesma taxa de mortalidade por covid-19 que as pessoas brancas. O relatório diz ainda que, no Brasil, pessoas negras têm 40% mais chance de morrer de covid-19 do que pessoas brancas. Se as taxas de mortalidade da doença nos dois grupos fossem as mesmas até junho de 2020, a entidade estima que mais de 9.200 afrodescendentes estariam vivos.

Ainda segundo a Oxfam, as taxas de contaminação e mortes por covid-19 são maiores em áreas mais pobres de países como França, Espanha e Índia. Na Inglaterra, essas taxas são o dobro nas regiões mais pobres em comparação com as mais ricas.

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