Explosão de casos ativos de covid-19, unidades de saúde sobrecarregadas e aumento no número de mortes, inclusive de pessoas que não aguentaram esperar na fila da regulação. Essa é a realidade em cidades do interior baiano que não possuem uma Unidade de Terapia Intensiva em sua infraestrutura hospitalar. O drama na saúde para esses municípios é agravado pelo medo das prefeituras locais de não conseguirem vagas nos hospitais de referência do estado, que já operam com a ocupação de 80% ou mais nos leitos de UTI para pacientes do novo coronavírus.

Em Mata de São João, no litoral baiano, em apenas três dias – entre 17 e 20 de fevereiro -, foram registradas quatro mortes por covid-19. Uma das vítimas foi uma senhora de 73 anos que morreu no Hospital Municipal da cidade aguardando regulação para um leito de UTI. Em Macaúbas, no Centro-sul baiano, nessa segunda-feira (22), a UPA da cidade estava completamente lotada, com dois pacientes lutando pela vida enquanto aguardavam regulação e necessitando de suporte de oxigênio suplementar. A cidade tem 135 casos ativos e quatro mortes registradas.

Em Araci, no Nordeste do estado, os casos ativos de covid-19 explodiram: são 495 atualmente, em uma população de cerca de 50 mil habitantes. São mais casos ativos do que os 395 de Vitória da Conquista, a terceira maior cidade baiana, onde vivem 350 mil pessoas. Araci tem ainda 27 mortes por covid-19. No início do mês eram apenas 21 óbitos. Das quatro mortes, uma aconteceu na própria UPA da cidade, de uma mulher de 66 anos, no dia 13 de fevereiro. Já não houve tempo hábil para ela ser regulada ao hospital.

Outra cidade que teve que enterrar mais habitantes em fevereiro por causa da covid-19 foi Maracás, no Centro-sul baiano. A cidade de cerca de 20 mil habitantes viu em fevereiro o número de mortes no boletim epidemiológico saltar de 27 para 32, tornando-se o município da região com o maior número de óbitos, segundo o prefeito da cidade, Soya Novaes (PDT). Maracás tem ainda 107 casos ativos de covid-19, atendimento diário de 150 pessoas no centro covid e hospital municipal operando em capacidade máxima, mesmo sem leitos de UTI.

Já em Catu, a 70 quilômetros de Salvador, em apenas 15 dias, os casos ativos de covid-19 aumentaram 592%. Eram apenas 12 no dia 7 de fevereiro, número que saltou para 83 no dia 22 do mesmo mês, segundo o boletim epidemiológico municipal. O número de óbitos na cidade também cresceu no mesmo período, de 40 para 46. O mesmo ocorreu em Madre de Deus, na Região Metropolitana de Salvador. Lá os casos ativos cresceram 700% em 14 dias: saltaram de 17 para 136 entre 8 e 22 de fevereiro. Outras três mortes pela doença aconteceram nesse mesmo período, elevando o número de óbitos de 30 para 33.

Drama
Prefeito de Maracás, Soya Novaes decidiu gravar um vídeo ao lado da secretária de Saúde Darlena Rosa no Hospital Municipal Álvaro Bezerra, falando sobre a situação da cidade. “É preocupante. A pandemia está aumentando em nossa cidade e a dificuldade tá muito grande”, disse o prefeito. A secretária explicou que os casos não param de crescer e o atendimento no hospital tem passado por dificuldades.

“Além da nossa situação, vemos notícias dos leitos de UTIs nos nossos hospitais de referência do estado, todos ocupandos praticamente em sua capacidade máxima. É angustiante o que vivemos hoje. Nós não vamos conseguir fazer muita coisa se a população não fizer a sua parte. A pandemia não acabou. Nosso número de óbitos é alto e quando recebemos um paciente, se ele se agrava, nós não temos o que fazer, pois nossos hospitais de referência também não têm leitos para abraçar esse paciente”, disse Darlene.

Mesmo a 344 quilômetros de distância de Maracás, em Mata de São João o drama é parecido. A secretaria de Saúde da cidade, Tatiane Rebouças, informou que esse é o pior momento da pandemia no município devido à dificuldade em conseguir regular pacientes para os hospitais de referência, que ficam em Salvador. O medo é que o próprio sistema de saúde da cidade possa colapsar, em um efeito dominó.

“Eu acredito que a gente ainda não teve tantas mortes, como está acontecendo em outros municípios da região, como Camaçari, pois nossa atenção básica tem dado um suporte desde o começo da pandemia. Mas estamos tendo um crescimento enorme de casos notificados e confirmados. Ontem mesmo 82% dos resultados que saíram foram positivos”, relatou Tatiana.


Em Mata de São João, além dos postos de saúde da família, as pessoas podem procurar atendimento no pronto de atendimento de Praia do Forte e no Hospital Municipal Doutor Eurico Goulart Filho. É lá que os pacientes em estado grave são internados e estabilizados até que possam ser regulados. “A gente tá com seis respiradores para dar assistência numa situação emergencial. Podemos até intubar se preciso. Montamos essa estrutura pensando em segurar os pacientes caso a regulação demorasse, como está acontecendo agora”, diz.

Ainda segundo a secretária, a situação está tão caótica que a cidade possui dois pacientes cuja regulação para hospitais da capital baiana já saiu, mas eles ainda se encontram em Mata de São João devido à falta de transporte. “A UTI móvel que o estado disponibiliza ainda não veio pegar, provavelmente por estar bem demandada. Tudo isso pressiona nosso sistema. Estamos com oito pessoas internadas no hospital por causa da covid-19 e algumas em estado bem grave”, conta.

Outras prefeituras citadas nessa reportagem foram procuradas, mas não retornaram até o fechamento do texto.

Dados
O reflexo de toda essa realidade se dá nos dados de ocupação nos leitos de UTI do estado. Pelo quinto dia consecutivo, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) registrou nessa terça-feira (23) o maior número de pacientes internados em UTIs Covid-19 desde o início da pandemia. São 915 doentes em estado grave ocupando leitos nas diversas regiões da Bahia. O boletim epidemiológico também registrou 66 mortes e mais de 5 mil novos casos no estado nas últimas 24 horas.

A taxa de ocupação dos leitos de UTI continua desde domingo em 80%. Já a dos leitos clínicos, para pacientes em menor gravidade, a situação é melhor: 58% de ocupação. Até às 18h dessa terça, 12 unidades de saúde da Bahia, espalhadas em 10 cidades diferentes, estavam com todos os leitos de UTI completamente lotados. Confira a lista completa no final do texto.

Por causa dessa elevação na taxa de ocupação de leitos, há um toque de recolher em vigor no estado, com restrição de circulação das 20h às 5h. A determinação visa provocar uma redução da taxa de crescimento da Covid-19 na Bahia. Caso haja aglomerações em espaços públicos ou privados, você pode fazer uma denúncia anônima para facilitar o trabalho da polícia. Para isso, utilize os canais de comunicação oficiais através do 190, ou (71) 3235-0000 (para a capital) e no interior do estado por meio do 181.

Lista dos hospitais baianos com 100% de ocupação:
Hospital Geral Clériston Andrade, em Feira de Santana,
Hospital Da Chapada, em Itaberaba,
Hospital Municipal de Serrinha,
Hospital Santa Helena, em Camaçari,
Hospital Regional Dantas Bião, em Alagoinhas
Hospital Vida Memorial, em Ilhéus
Hospital Calixto Midlej Filho, em Itabuna
Hospital São Vicente, em Jequié
Hospital Doutor Heitor Guedes De Mello, em Valença
Hospital Português, em Salvador
Hospital do Subúrbio, em Salvador
Hospital Municipal de Salvador

Publicado em Bahia

O sistema de saúde baiano inspira cuidados e preocupação, segundo afirmam os secretários de Saúde de Salvador (SMS) e da Bahia (Sesab), Léo Prates e Fábio Vilas-Boas, respectivamente. Isso porque a fila para a internação de pacientes com a covid-19 não para de crescer. Além disso, nos últimos 10 dias, houve aumento na média de mortes diárias pela doença causada pelo novo coronavírus no estado. Em 06 de fevereiro, 40 pessoas tinham morrido pela infecção na Bahia. Nesta terça-feira, 16, o número de óbitos saltou para 66. No auge da pandemia, no ano passado, 70 mortes diárias foram registradas no estado.

Já o número de pessoas que aguardavam leitos para internação no estado chegou a atingir 104 nos últimos dias, segundo o secretário estadual Fábio Vilas-Boas. Esse número costumava ficar em 30. “Hoje, 80 pessoas não conseguiram. Isso significa que tem 80 pessoas que não são atendidas na hora que precisam, por causa da pressão no sistema”, explica o secretário, que garante ainda estar conseguindo fazer a regulação de pacientes com covid-19 em um prazo de 24 horas. “Mas está ficando cada vez mais difícil”, lamenta.

Caso o número de pacientes aguardando internação continue crescendo nessa velocidade, é possível que o sistema de saúde do estado entre em colapso. “Tem unidades hospitalares de Salvador que já estão 100% ocupadas, apesar da taxa geral ser menor, em torno de 75%. Nós regulamos no sábado, junto com o governo do estado, 54 pessoas. Ontem (na segunda, 15) foram 48. Mas no auge da pandemia eram 60. O sistema está muito mais pressionado”, alerta Léo Prates, que comanda a pasta municipal da Saúde.

“Ou nós revertemos a curva de crescimento ou, em breve, teremos que tomar medidas duras. Se a curva de crescimento for mantida, corre o risco de colapso. Mas é claro que o governador e o prefeito agirão antes disso acontecer”, diz o secretário Léo Prates.

Já Vilas-Boas lembra que existem medidas a serem tomadas para evitar esse colapso, como restrição de circulação das pessoas e isolamento social. Nesta terça-feira, 16, o governador Rui Costa, inclusive, anunciou o decreto sobre o toque de recolher no estado, que será publicado nesta quarta, 17, e entrará em vigor na sexta-feira, 19.

No entanto, o problema vivido pelas autoridades é a velocidade com que a doença tem se espalhado nos últimos dias. “Se continuar do jeito que as pessoas estão transmitindo a doença umas para as outras, e se nós não conseguirmos acompanhar com o aumento de leitos, por exemplo, [o colapso] pode sim se tornar uma realidade. Nós estamos lutando para que isso não aconteça”, garante Fábio Vilas-Boas.

Gripários

O agravamento da situação nas unidades de saúde já ocorre nos gripários de Salvador, que funcionam nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) dos Barris, Pau Miúdo, Paripe e Pirajá voltados para os pacientes com sintomas gripais, característicos também da covid-19. O CORREIO foi até a UPA dos Barris e do Pau Miúdo e constatou a grande fila de espera, doentes que chegavam a todo momento e profissionais sobrecarregados.

Nos Barris, por volta das 11h, a situação era a mais dramática. Do lado de fora do gripário, cerca de 50 pessoas aguardavam atendimento e os carros que traziam pacientes chegavam a causar um pouco de congestionamento na entrada.

Morador da Vasco da Gama, Jeferson Cadu, 24 anos, foi com o filho de um ano buscar atendimento. O pai estava com dor de cabeça, febre e garganta inflamada, enquanto o filho tinha catarro no peito. “Desde sexta estou assim, mas só vim mesmo por eu ter piorado de ontem (anteontem) pra hoje. Cheguei 9h30 aqui, já são 11h e tem muita gente na minha frente. Não faço ideia de quando serei atendido. Acho que tinha que ter mais opções, tinha que ser mais rápido. Essa fila grande não deveria ser permitida”, reclamou.

A situação também gerou estresse em alguns doentes. Um homem que não quis se identificar, em um determinado momento, teve uma espécie de surto por causa da demora de atendimento e chegou a ofender verbalmente funcionários do gripário. Ele teve que ser acalmado por três policiais militares. Depois, ao CORREIO, o homem contou que esse era o segundo dia seguido que ele ia ao local buscando atendimento.

“Ontem (na segunda, 15) me disseram que eu só seria atendido no final da tarde. Então fui embora e cheguei hoje 6h30 e até agora não consegui ser atendido. Eles alegam que tem pacientes graves que tem prioridade, mas é inadmissível ficar aqui durante 5h e não ser atendido por ninguém”, disse o rapaz, que sentia dor de cabeça e no corpo, febre e diarreia.

Uma outra mulher, que também preferiu o anonimato, contou que saiu de Águas Claras até os Barris para buscar atendimento. “Ontem (segunda, 15) eu não imaginava que demoraria tanto e como estava sem dinheiro, com fome e cansada, voltei para casa. Vim hoje de novo mais preparada para encarar esse sofrimento”, desabafou.

Profissionais

A pressão no sistema de saúde – boa parte dela também causada pelo fato das pessoas terem relaxado nas medidas de isolamento e nos protocolos para controlar o espalhamento do coronavírus - não afeta só os pacientes, mas também os profissionais que tem de lidar com a sobrecarga de trabalho.

“Eles ficam estressados e acabam descontando na gente. Sempre é assim”, diz o funcionário que foi agredido verbalmente pelo paciente nervoso. “Essa quantidade de pessoas que você está vendo esperando é até tranquila em comparação com outros dias recentes”, apontou outro profissional.

Coordenador médico do gripário do Pau Miúdo, Elmar Dourado tem observado o aumento no número de atendimentos e a pressão no sistema. “Vejo que os profissionais da saúde estão com medo e cansados, desgastados. Estamos trabalhando no limite e esperamos que não haja esse colapso”, disse o médico, que tem lidado com o aumento de atendimento na unidade. “Nossa média de atendimentos mensais era 1,1 mil pessoas, o que saltou para 4,1 mil em dezembro, 4,5 mil em janeiro e, agora em fevereiro, a expectativa é ultrapassar 5 mil”, disse.

Elmar também destaca que tem atendido mais casos de pessoas jovens e em estado grave. “São inclusive pacientes que estão demandando mais oxigênio. Estamos com uma demanda maior do que a prevista. Só hoje (ontem) chegaram dois carregamentos de oxigênio na unidade, o que não é normal. O tempo de regulação aqui ainda é inferior a 24h, mas essa semana está tudo muito complicado, seja por falta de leitos ou até transporte, devido à sobrecarga do sistema”, lamentou.

Comparada à UPA dos Barris, a situação na unidade do Pau Miúdo era visivelmente mais confortável. Enquanto a reportagem esteve no local, três pacientes aguardavam regulação para um leito de hospital. Já nos Barris, eram quatro pessoas. A quantidade de pessoas que esperava atendimento também era menor no Pau Miúdo. A dona de casa Gisele Conceição, 34 anos, chegou ao local às 9h com o marido e o filho. O casal estava com sintomas da covid-19.

“Fico preocupada com essa situação, pois tem muita gente minimizando o vírus. Vejo mais pessoas saindo para a rua, sendo que a população não está sendo muito vacinada. Isso tudo assusta”, disse Gisele.

O secretário estadual de Saúde concorda com ela. “Se a vacina tivesse chegado em grande quantidade, para muitas pessoas, esse problema seria ignorado. Mas a vacina, na prática, não chegou. São poucas pessoas imunizadas e o início da vacinação está produzindo uma falsa sensação de liberdade”, argumenta Fabio Vilas-Boas.

Camaçari

A situação preocupante não é só nas UPAs de Salvador. Os moradores de Camaçari, por exemplo, organizaram um protesto para esta quarta-feira, 16, logo mais às 9h, para reclamar da demora no atendimento para os casos de covid-19.

“São as pessoas que passaram o dia todo esperando atendimento que organizaram esse protesto. Os próprios médicos da UPA estão saturados. Eles não estão aguentando a demanda”, disse uma das organizadoras, que preferiu não se identificar.

Uma médica que trabalha na cidade, que também preferiu o anonimato, confirmou o aumento na busca por atendimento. “A UPA vive lotada, sendo a grande maioria dos pacientes com covid-19, que ficam dias esperando a regulação. Tem consultório sendo usado como internamento, a sala de procedimento também. Tem paciente ficando internado com maca do Samu, pois não temos mais estrutura”, desabafa.

Ainda segundo essa médica, o principal problema vivido é a falta de unidades para escoar os pacientes na regulação. “Além da exaustão, os profissionais trabalham tristes vendo a situação dos pacientes sem ter muito o que fazer. E, ultimamente, trabalhamos com muito medo, pois os pacientes e acompanhantes ficam irritados e descontam em nós. Essa semana um funcionário da portaria foi agredido em pleno corredor”, contou.

Em nota publicada no dia último dia 09, a Secretaria da Saúde de Camaçari (Sesau), afirmou que já estava tomando as medidas necessárias para resolver os problemas na unidade.

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