Sem cinto, com rastreador: taxistas mudam rotina após assaltos à categoria subirem 71%
Nos 30 dias de junho, 72 taxistas foram atacados em Salvador. O número representa o dobro das ocorrências registradas no mesmo período de 2021 e sinaliza para uma média de 2,4 taxistas vítimas de assalto por dia naquele mês. Mas, o que tem preocupado a categoria é que o número de profissionais assaltados no primeiro semestre desse ano é 71,6% maior do que no mesmo período do ano passado. Entre janeiro e junho ocorreram 374 assaltos a condutores de táxi, contra 218 no mesmo período de 2021. Os dados são da Associação Geral de Taxistas (AGT). Diante da violência, motoristas criam formas de proteção como evitar cinto de segurança, não transportar casais e usar rastreadores de percurso nos veículos.
Além do crescimento na quantidade de assaltos, a associação registrou também um aumento de 69% na quantidade de carros levados durante os assaltos. É que, enquanto 39 veículos foram levados pelos bandidos nos assaltos registrados no primeiro semestre de 2021, o número subiu para 66 no mesmo período de 2022.
Numa tarde de outubro do ano passado, Almiro Fonseca, 70 anos, tinha quebrado a promessa pessoal de nunca aceitar casais desconhecidos apanhados na rua como clientes. A viagem seguiu tranquila até que, na altura de Stella Maris, os dois passageiros anunciaram o assalto. Em desespero, o taxista abriu a porta do carro, quando a velocidade estava reduzida, e se jogou no mato.
“Ele costuma andar devagar e já está sem o costume de usar cinto. Eu não consigo recriminar de modo algum. Se tornou algo como policiais, que claro que não vão usar cinto de segurança”, conta Almiro Junior, que, escondido do pai, pôs o rastreador no veículo dele. Estava preocupado com as notícias de assaltos aos taxistas.
Passados 15 minutos do roubo, o veículo já tinha sido rastreado. Avisado pelo pai do crime, Junior abriu o celular e acompanhou a movimentação do veículo ao redor da cidade por meio de um aplicativo conectado ao rastreador. Só por isso conseguiram recuperar o carro rapidamente. O custo do rastreamento é de R$ 50 mensais.
“Agora fico acompanhando, se vejo ele rodando em tal velocidade, já acho estranho. Se está num lugar ‘boca quente’ [perigoso], fico de olho”, conta Junior.
Aumento da demanda
Numa empresa de rastreamento de veículos, em Salvador, a procura pelo serviço subiu 40% desde o ano passado. O custo anual do dispositivo é de, em média, 600 reais, a depender da empresa e do pacote contratado.
“Na pandemia, o pessoal ficou com mais medo da violência e acabou procurando o serviço. Mas até tenho sentido que, agora, abaixaram a guarda mais um pouquinho”, conta Jefferson Souza, proprietário de uma companhia que atua na capital.
A maioria dos carros rastreados pela empresa, no entanto, ainda são os utilizados por motoristas de aplicativo. A procura de taxistas é mais recente, segundo empreendedores do ramo de seguros e rastreamento de veículos. Hoje, calcula a AGT, 30% dos taxistas estão com rastreadores instalados nos carros.
Em 20 dias, dois assaltos
Dos 73 taxistas assaltados em maio deste ano, 53 – ou seja, 72% deles – tiveram o carro levado pelos ladrões. Em menos de 20 dias, foi o que aconteceu, duas vezes, com Joelson Ferreira, 51 anos, 28 dos quais dedicados à vida atrás do volante.
Na primeira vez, em janeiro, três pessoas pediram uma corrida, no Comércio, em direção à Ribeira. Os criminosos mantiveram Joelson como refém entre 20h30 e 1h da manhã. No mês seguinte, em fevereiro, o taxista foi novamente vítima da violência. Dessa vez em uma corrida com destino a Periperi.
O assalto acompanhado de sequestro e agressões é uma modalidade que tem preocupado ainda mais taxistas, como Joelson. Em abril, o próprio presidente da AGT, Denis Paim, sofreu um ataque relâmpago, na altura da Avenida Bonocô. Depois dos dois atentados que sofreu, Joelson decidiu tornar o carro rastreável.
“Três dias depois [do segundo assalto] eu decidi colocar o rastreador e o bloqueador. Está muito perigoso, eles são muito perversos, não só roubam, como batem, humilham”, conta Joelson.
Pelos dois serviços no carro, ele desembolsa R$ 135 mensais. O bloqueador divide opiniões entre taxistas. Uns, acham uma ferramenta eficiente. Outros, temem o risco de acidentes. Isso porque o bloqueador opera da seguinte forma: bloqueia a ignição ou a bomba de combustível quando acionado. Ligado incorretamente, como em um momento em que o carro esteja em movimento, pode provocar acidentes.
A saga da recuperação
Os assaltos contra taxistas estão, geralmente, dispersos em trechos de avenidas de Salvador como a Luís Viana Filho (Paralela), Mário Leal Ferreira (Bonocô) e a Afrânio Peixoto (Suburbana), calcula a AGT. Mas o maior receio de taxistas é o ponto de partida ou o destino das corridas.
Os bairros mais temidos para bater ponto são: Mussurunga, Valéria, Castelo Branco, Vila Canária, Paripe, Federação, Barra, Fazenda Grande do Retiro e Cajazeiras. Com a redução do número de corridas, é mais comum que taxistas prefiram escolher pontos para esperar corridas ou recebam clientes por aplicativo.
Quando um táxi é assaltado, começa uma saga pela recuperação do veículo. Principalmente quando o carro não possui rastreador ou os criminosos foram mais rápidos e tiraram as faixas azul e vermelha do táxi para evitar a identificação.
"Começo a colocar em grupos de whatsapp para localizar os carros. Pelo zap, vamos nos comunicando. Quando o taxista faz o Boletim de Ocorrência ou tem o rastreador, fica mais fácil", explica Denis Paim, presidente da AGT.
Em abril, a associação participou de uma reunião com a Polícia Militar (PM) para discutir ações voltadas para os taxistas. A reportagem tentou contato com a PM, mas não teve retorno até o fechamento da publicação.
A violência, acrescida do cenário de precarização do trabalho de taxista, também afasta profissionais das ruas. Em dezembro do ano passado, Sidney Bahia, 42, tirou o carro de circulação e, hoje, investe no ramo de limpeza de estofados. Embora nunca tenha sido assaltado, os relatos de amigos - entre eles um que foi esfaqueado - assustavam.
"Trabalhava muito à noite. Saía de manhã, voltava à tarde, e 21h eu estava na rua de novo e ficava com muito medo. A gente vê muita coisa também estando nas ruas", conta Bahia.
Formado em administração, ele pretende, ainda assim, poder voltar a circular, mas não como atividade principal, como uma "válvula de escape". O alvará permanece ativo.
"Meu amor pela profissão não acabou e eu vou sim voltar a ter um táxi", conta o ex-taxista que, no retorno, tentará concentrar a rotina de trabalho em regiões que considera mais seguras, como os bairros da vizinhança onde mora.
Em menos de um mês, 57 taxistas foram assaltados em Salvador
Em cinco horas, B., taxista há 24 anos, conheceu o “pior terror da vida”. Três criminosos se fingiram de passageiros, no Porto da Barra, entraram no carro dele e o mantiveram refém no último sábado (29). No fim, roubaram o veículo e R$ 5 mil, com compras no cartão de crédito e saques em bancos. Só em janeiro deste ano, foram 57 taxistas assaltados - 14 tiveram seus carros roubados - em Salvador, segundo a Associação Geral dos Taxistas (AGT).
Em janeiro do ano passado, foram 50 taxistas assaltados e 11 táxis roubados, o que mostra um aumento de até 14% na incidência dos roubos no início de 2022. Dos 14 carros levados por bandidos até então, 12 foram recuperados, ainda de acordo com a AGT. Seis taxistas foram mantidos reféns por assaltantes.
Os crimes não têm horário, nem endereço marcado para acontecer: ocorrem de dia ou a noite. B. foi abordado às 15h15 por dois homens e uma mulher, na fila de táxis do Porto da Barra. Ele mexia no celular quando o trio entrou no carro e mandou seguir viagem para o bairro dos Barris.
“Chegando lá eles colocaram a pistola na minha cabeça e ficaram com ela o tempo inteiro na cabeça. Desceram pela Lapa, Bonocô, Pirajá...”, lembra a vítima.
No trajeto pela cidade, os bandidos compraram comidas, bebidas e roupas com o dinheiro do taxista. O carro até passou por uma blitz da Polícia Militar (PM), na altura de Pirajá, mas passou direto, sem ser parado. Taxistas ouvidos pela reportagem reclamam pelo fato de, segundo eles, não serem abordados em operações policiais.
B., o taxista assaltado no Porto da Barra, ingressará com um pedido no Ministério Público da Bahia (MP), ainda esta semana, para que a PM seja obrigada a abordar taxistas em blitzes. Os criminosos largaram a vítima na altura do bairro da Caixa D’água e seguiram com o carro. Em mais de 20 anos atrás do volante. B. tinha sido assaltado outras duas vezes.
“Eu colaborei o tempo inteiro, eles dizendo que iam arrancar meu olho, cabeça, me ameaçando, um terror. Estamos assim, vivendo, nessa violência. A pandemia empobreceu o pobre que já era pobre e os bandidos encontram facilidade de nos saquearem, maltratarem”, diz B., que prefere não ser identificado pois retornará ao trabalho.
O carro dele foi encontrado, no último domingo (30), no bairro do Politeama. Como ainda precisará regularizará a situação do carro, depois do roubo, serão pelo menos três dias longe do trabalho. "Às vezes a gente volta para casa com R$ 80 do dia, quando muito, então você imagine o prejuízo".
Trio é apontado como responsável por três crimes
Embora os crimes não tenham horário para acontecer, Denis Paim, presidente da AGT, conta que o mesmo trio - dois homens e uma mulheres - que assaltou B. é apontado como responsável por assaltar outros oito taxistas. “Todas as vezes, com esses requintes de pedir dinheiro”, explica o dirigente.
A concentração de assaltos, ainda conforme a AGT, está no centro de Salvador - onde os criminosos também costumam abandonar os veículos -, Avenida Paralela ou no bairro de São Rafael. “Infelizmente, não tem horário e eles estão se qualificando cada vez mais nisso. Tem gente que deixa de sair [trabalhar] de noite, aí vão e assaltam de tarde”, explica Paim.
Em todo o ano passado, foram 519 taxistas assaltados e 101 carros roubados. Segundo Denis, tem se tornado mais comum não só roubar os pertences menores dos taxistas, como tomar seus carros e abandoná-los depois. Os criminosos, claro, se passam por passageiros para solicitar corridas - seja pessoalmente ou via aplicativos de taxistas. “Geralmente, eles pegam a corrida como passageiros. Ultimamente, eles estão levando mais os carros”.
A AGT planeja atualizar as estatísticas deste ano, para aprimorar a comparação entre os dois anos - 2021 e início de 2022.
Já houve reuniões entre a AGT e o Comando Geral da Polícia Militar para que taxistas com passageiros a borda sempre abordados em blitzes, com vistoria do veículo e abordagem dos passageiros, segundo Paim. A PM respondeu à reportagem que já faz isso e afirmou que nos 15 primeiros dias deste ano, guarnições abordaram 5.028 taxistas ou motoristas de aplicativo.
As ações apreenderam 212 armas de fogo em toda a Bahia. A PM não informou, no entanto, se as armas estavam sob posse de passageiros.
Taxistas mudam rotina depois de roubos
Depois das 19h, é sempre hora de voltar para casa, exceto se algum cliente antigo tiver agendado uma corrida. A rotina de violência deixa os taxistas em alerta.
"Deixo de pegar várias pessoas de bem na rua por conta da desconfiança, pois fui assalto por dois elementos com fardas de trabalho", conta M., outro taxista que foi assaltado e mantido refém por dois criminosos, na manhã da última sexta-feira (28).
Ele é taxista há seis anos e foi o primeiro assalto da sua vida profissional.
Os bandidos pediram a corrida no Politeama de Baixo com destino ao bairro da Caixa D'Água, às 9h40. Quando chegaram lá, anunciaram o assalto e rodaram com M. pela cidade - similar ao que ocorreu com B., o taxista assaltado na Barra. Tiraram dele a aliança, o relógio, dinheiro e o carro. Duas viaturas chegaram a passar ao lado dele, mas o carro não foi abordado e M. teve receio de chamar atenção dos policiais para pedir socorro.
Até o meio-dia, M. ficou sob a mira do revólver. "Eles só me largaram depois". À noite, um colega encontrou o carro na Baixa dos Sapateiros. É por meio de um aplicativo de mensagens que os taxistas se comunicam, relatam assaltos e alertam sobre veículos encontrados. Há localidades onde alguns deles diminuíram a frequência de trabalho, como nas proximidades do Nordeste de Amaralina, Engenho Velhos da Federação, Uruguai e Alto das Pombas.
Nem todas as ocorrências de roubo ou furto de veículo a taxistas constam nas estatísticas online da Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Lá, aparecem, desde o dia 1º de janeiro, 18 veículos roubados ou furtados - sem especificação por veículos comuns ou táxis. As localidades, no entanto, não são nenhuma das áreas evitadas por taxistas.
As regiões que, neste mês, estão com com maior incidência de roubo de veículo entre Salvador ou Região Metropolitana, ainda de acordo com o boletim da SSP, são Lauro de Freitas e Camaçari. Os números podem ser atualizados. Em janeiro do ano passado, foram 65 veículos roubados ou furtados na capital baiana ou cidades do entorno.