Na Bahia, para cada mulher presa, existem outros 37 homens encarcerados. O dado aponta o que pode ser comprovado nos noticiários policiais: mulheres costumam se envolver menos com o mundo do crime. Hoje, 338 delas estão distribuídas em sete presídios no estado, enquanto que o número de homens é 12.568, de acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap). Segundo especialistas ouvidos pelo CORREIO, o principal motivo que leva as mulheres para a prisão é o envolvimento com tráfico de drogas.   

Ainda segundo dados da Seap, o número de mulheres em cárcere em janeiro deste ano é 7% menor do que o comparado com o ano passado, de 364 presas. No caso dos homens, também houve redução, mas menor, de 2,8% - em 2021 eram 12.939. Para o advogado criminalista André Queiroz, o que explica a queda maior para as mulheres é um recente entendimento da Justiça de que mulheres que possuem filhos pequenos podem ter a pedir a prisão domiciliar, caso provem que são responsáveis pela criação.  

“É importante lembrar do caso da mulher do Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, que estava presa e tinha filhos menores. Na ocasião, entraram com um habeas corpus alegando que os filhos eram dependentes da sua criação e que, por isso, ela deveria ter a prisão preventiva convertida em domiciliar. Após aquela decisão, esse entendimento foi pacificado em todos os tribunais”, destaca o advogado. 

Outro ponto destacado para explicar a redução, dessa vez pelo defensor público Pedro Casali, é que muitas mulheres acabaram sendo soltas por conta de uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) feita durante a pandemia.

"O CNJ publicou a Recomendação 62, que classificou as pessoas presas de acordo com o risco de morte, orientando revisão de prisões preventivas e progressões antecipadas, o que desencarcerou algumas internas, especialmente pelo fato de ser direcionado a 'mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco'", destaca.

Perfil

Mulher, negra, de classe mais empobrecidas e com histórico pequeno de atividades laborais. Estas costumam ser as principais características das mulheres presas no estado da Bahia. O advogado criminalista e professor de Direito Marcelo Duarte, explica que muitas dessas mulheres são rés primárias e acabam entrando no crime após se relacionarem com companheiros já envolvidos com delitos.   

“A maioria delas são mulheres envolvidas com o tráfico de drogas, que são cooptadas e que possuem algum envolvimento ou relação afetiva com membros de facções criminosas relacionados com o tráfico. Às vezes os companheiros são presos, então elas, para se sustentarem aqui fora e colaborarem com o tráfico, praticam crimes”, afirma o advogado.   

Esse foi o caso de Angélica**, de 62 anos. Em 2012, ela foi presa por envolvimento com o tráfico, depois que o homem com que ela se relacionava foi detido pelo mesmo motivo. “Eu entrei nessa vida para pagar advogado para soltar ele. Antes dele, eu não era envolvida com nada. No final ele morreu e eu continuei com meu nome sujo”, conta. Ela foi liberada do Conjunto Penal Feminino, na Mata Escura, depois de nove meses, mas foi presa de novo em 2014, por violar regras da condicional.   

“Passei quase três anos presa e lá é horrível, se a pessoa soubesse como é, não cometia crime, é sofrimento puro. Nunca tem remédio, a comida é péssima, ligam a água rápido para a gente tomar banho. Fecham o portão muito cedo, 16 horas já está todo mundo trancado”, diz Angélica sobre o período que esteve presa. Ela relata dificuldades para conseguir emprego por ser ex-detenta e vende amendoim nas ruas da capital para ajudar nas despesas da casa, em que mora com mais cinco pessoas.   

Apesar da idade mais avançada de Angélica, a diretora do Conjunto Penal Feminino (CPF) de Salvador, único que atende exclusivamente mulheres, Karina Moitinho, afirma que as mulheres encarceradas na instituição costumam ser mais jovens e possuem um perfil específico: “Das mulheres presas, 80% são negras ou pardas, 48% tem entre 18 e 29 anos, 63% não alcançaram o ensino médio e são, em maioria, de classe baixa”.

Pedro Casali, defensor público e coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal da Bahia, explica ainda que as mulheres presas não costumam ter posições de destaque no tráfico de drogas: "A nível nacional, 68% das presas são implicadas por tráfico de drogas e sem destaque ou envolvimento nas organizações criminosas. São, quando muito, coadjuvante no crime, raramente gerentes tráficos. Sendo claro, são aviões ou mulas. Já se identificou que elas têm necessidades especiais e são normalmente abandonadas pelos parceiros e são provedoras únicas das suas famílias".  

Depois do tráfico, homicídio e roubo são os principais motivos 

Apesar do número de mulheres presas ser inferior ao de homens, o defensor público Pedro Casali ressalta que o encarceramento feminino cresceu nos últimos anos: "A taxa de delinquência feminina na década de 50 era de 2% em relação à masculina no Brasil. No ano 2000, quase dobrou, foi a 3,5%. A população carcerária feminina subiu muito, de 5 mil para 40 mil, em 15 anos". Para a diretora do CPF, Karina Moitinho, questões de caráter econômico costumam contribuir para que as mulheres cometam crimes.  

“Por muito tempo a mulher não transitou por diversos espaços na sociedade e a criminalidade é um desses. O desemprego, a baixa escolaridade e a falta de acesso a serviços básicos são alguns dos fatores determinantes para o envolvimento de mulheres no mundo do crime”, explica a diretora.   

Seguido dos delitos relacionados a Lei de Drogas, os outros motivos que mais levam as mulheres para a prisão são o homicídio e roubo, ainda segundo Karina Moitinho. A prima de Maria** foi presa em junho do ano passado, durante a pandemia, por matar o marido. Segundo a parente, o crime ocorreu quando a mulher tentava se defender de agressões do companheiro, que ocorreram no dia do aniversário de 25 anos dela.   

“Ela morava com ele desde os 13 anos e era vítima de violência doméstica. No aniversário dela, ele foi bater nela e pegou uma faca e, para se defender dele, ela pegou outra. Como ele era mais alto que ela, na hora em que ela virou, depois dele tentar enforcar ela, a faca atingiu o peito dele. Ela socorreu, mas ele veio a óbito no hospital”, conta a prima, que preferiu não se identificar por questões de segurança.   

Depois de 1 mês e 15 dias presa, Maria foi liberada para cumprir o processo fora da cadeia. O advogado Marcelo Duarte, que a defende, explica que utilizou os argumentos de que ela era ré primária e que, por conta da pandemia, estava com a vida em risco. A prima da mulher conta que durante o período em que Maria esteve em cárcere o acesso a ela foi difícil. Assim que foi presa, ela precisou ficar 14 dias isolada, devido às restrições sanitárias.  

“A gente tentava ligar para o presídio e não tinha notícias, porque estava em quarentena, a gente tentava fazer visitas, mas estavam suspensas e ela estava em uma situação psicológica preocupante”, afirma a prima. Desde segunda-feira (7), todas as unidades penitenciárias da Bahia estão com as vistas suspensas por um mês, por conta do aumento de casos de covid-19. Mesmo após 8 meses do crime, a jovem ainda está em estado de choque e usa medicamentos controlados. “Está para ter a audiência para ela poder falar. Mas ela vive a base de Rivotril e não consegue falar sobre o assunto”, completa.  

Marcelo de Paula, membro do Grupo de Estudios del Sistema Penal, lembra que os crimes passionais eram os mais comuns no Brasil durante a década de 90, mas a entrada das mulheres no tráfico de drogas, em especial devido ao envolvimento com companheiros já presentes no mundo do crime, mudou o caráter dos delitos. 

"É válido citar a mudança observada no Conjunto Penal Feminino de Salvador com o passar do tempo, entre 1990 e 2019. Nos primeiros anos, os crimes mais cometidos pelas detentas eram os passionais, já em 2019 isso mudou e a maioria dos crimes ensejadores do encarceramento diz respeito às drogas”, afirma. 

Ressocialização 

Adriana Argolo, 44, diz que a vida dela daria um filme e isso não é por acaso. Em 2012 ela saiu para um passeio com o marido, o que ela não sabia era que aquele dia de agosto mudaria sua vida para sempre. Isso porque seu companheiro roubou um carro quando estava com ela e, pouco tempo depois, depois a polícia os prendeu em flagrante. Os resultados foram 7 anos de prisão e o término do casamento.  

Adriana relembra que o homem já era envolvido com tráfico de drogas e que ela chegou a cometer outros delitos antes do qual a levou para a prisão por quase uma década. “Eu sofria muito e quando eu passei a ficar com ele eram muitos riscos e perigos, mas, no meio disso tudo, o dinheiro era muito fácil, então não vou dizer que não gostava”, conta. 

O que mais marcou a mulher durante os anos presa foi não poder acompanhar o crescimento dos filhos – ela tem sete. Adriana também relata a dificuldade em conseguir um emprego quando saiu da prisão e diz que o governo deveria olhar para essas pessoas: “Depois de tantos anos parada é até difícil para a pessoa sair e conseguir trabalhar [...] A sorte que eu tive, muitas outras não têm. As pessoas saem de lá mais revoltadas ainda”, diz.  

Hoje, a egressa trabalha no Escritório Social da Bahia fazendo serviços de limpeza. A unidade promove a ressocialização de ex-detentas do estado, através de processos multidisciplinares.  

Enquanto famílias baianas tentam refazer a vida depois do crime, outros parentes clamam para que a justiça seja feita de forma mais rápida. Há dois anos, Tais Oliveira aguarda uma audiência presa preventivamente no Conjunto Penal Feminino da Mata Escura. Os familiares contam que ela foi acusada por um suposto envolvimento no esquema de organização criminosa do irmão, que é membro do exército e também está preso.  

“Por conta de uma mensagem que ela enviou do celular dela, a pedido do meu irmão, indiciaram ela como se fizesse parte do grupo dele [...] Nisso tem dois anos que não temos nenhuma solução e ela sem poder fazer a defesa dela para o juiz”, afirma o irmão de Tais Oliveira, que preferiu não se identificar. A mulher tem uma filha de 15 anos e a família defende sua inocência.

Especialista tira dúvidas sobre o perfil das presas na Bahia 

Luz Marina,  é ex-diretora do Conjunto Penal Feminino (CPF) de Salvador e atualmente coordenadora do Escritório Social da Bahia (Esba), diz que, geralmente, as mulheres que são privadas de liberdade são abandonadas pela família. "A pena para a mulher é muito mais perversa e severa", afirma. 

Existe um recorte racial no perfil das mulheres que são presas no estado? 

O perfil da mulher encarcerada na Bahia é aquela preta, pobre e da periferia. Com uma média 18 a 34 anos. Muitas estão solteiras e são mães de família. Mães solos que provém o sustento da família sós. 

Por que muitas delas acabam sendo presas por causa dos companheiros? 

Muitas mulheres estão nas unidades prisionais por conta dos seus companheiros. Na verdade, elas são motivadas pela paixão. Muitas até querem sair do mundo do crime, mas não conseguem por causa dos maridos que continuam presos, por causa das ameaças ou do crime organizado.  

Como a sociedade enxerga as mulheres que cometem crimes e são presas? 

Geralmente, as mulheres que são privadas de liberdade são abandonadas pela família, porque a mulher foi pensada para ser aquela pessoa do lar. A sociedade rejeita e pune porque não aceita a mulher cometendo crimes. A pena para a mulher é muito mais perversa e severa. [...] A mulher encarcerada, às vezes pode ser até absolvida, porém quando ela sai, parece que carrega nas costas uma pena de prisão perpétua.  

Quais são as maiores dificuldades para a ressocialização das egressas? 

A sociedade não oferta oportunidades. As pessoas pensam que ressocialização é só colocar para estudar e ter assistência material, mas não, ressocialização é um conjunto. É você ter alguém que possa dar um atendimento, é também fazer uma oitiva com aquela pessoa. [...] Existe uma grande demanda por trabalho, essa política é para inserir essa mulher de forma digna na sociedade.  

 

Na Bahia, para cada mulher presa, existem outros 37 homens encarcerados. O dado aponta o que pode ser comprovado nos noticiários policiais: mulheres costumam se envolver menos com o mundo do crime. Hoje, 338 delas estão distribuídas em sete presídios no estado, enquanto que o número de homens é 12.568, de acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap). Segundo especialistas ouvidos pelo CORREIO, o principal motivo que leva as mulheres para a prisão é o envolvimento com tráfico de drogas.   
 
Ainda segundo dados da Seap, o número de mulheres em cárcere em janeiro deste ano é 7% menor do que o comparado com o ano passado, de 364 presas. No caso dos homens, também houve redução, mas menor, de 2,8% - em 2021 eram 12.939. Para o advogado criminalista André Queiroz, o que explica a queda maior para as mulheres é um recente entendimento da Justiça de que mulheres que possuem filhos pequenos podem ter a pedir a prisão domiciliar, caso provem que são responsáveis pela criação.  
 
“É importante lembrar do caso da mulher do Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, que estava presa e tinha filhos menores. Na ocasião, entraram com um habeas corpus alegando que os filhos eram dependentes da sua criação e que, por isso, ela deveria ter a prisão preventiva convertida em domiciliar. Após aquela decisão, esse entendimento foi pacificado em todos os tribunais”, destaca o advogado. 
 
Outro ponto destacado para explicar a redução, dessa vez pelo defensor público Pedro Casali, é que muitas mulheres acabaram sendo soltas por conta de uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) feita durante a pandemia.
 
"O CNJ publicou a Recomendação 62, que classificou as pessoas presas de acordo com o risco de morte, orientando revisão de prisões preventivas e progressões antecipadas, o que desencarcerou algumas internas, especialmente pelo fato de ser direcionado a 'mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco'", destaca.
 
Perfil
 
Mulher, negra, de classe mais empobrecidas e com histórico pequeno de atividades laborais. Estas costumam ser as principais características das mulheres presas no estado da Bahia. O advogado criminalista e professor de Direito Marcelo Duarte, explica que muitas dessas mulheres são rés primárias e acabam entrando no crime após se relacionarem com companheiros já envolvidos com delitos.   
 
“A maioria delas são mulheres envolvidas com o tráfico de drogas, que são cooptadas e que possuem algum envolvimento ou relação afetiva com membros de facções criminosas relacionados com o tráfico. Às vezes os companheiros são presos, então elas, para se sustentarem aqui fora e colaborarem com o tráfico, praticam crimes”, afirma o advogado.   
 
Esse foi o caso de Angélica**, de 62 anos. Em 2012, ela foi presa por envolvimento com o tráfico, depois que o homem com que ela se relacionava foi detido pelo mesmo motivo. “Eu entrei nessa vida para pagar advogado para soltar ele. Antes dele, eu não era envolvida com nada. No final ele morreu e eu continuei com meu nome sujo”, conta. Ela foi liberada do Conjunto Penal Feminino, na Mata Escura, depois de nove meses, mas foi presa de novo em 2014, por violar regras da condicional.   
 
“Passei quase três anos presa e lá é horrível, se a pessoa soubesse como é, não cometia crime, é sofrimento puro. Nunca tem remédio, a comida é péssima, ligam a água rápido para a gente tomar banho. Fecham o portão muito cedo, 16 horas já está todo mundo trancado”, diz Angélica sobre o período que esteve presa. Ela relata dificuldades para conseguir emprego por ser ex-detenta e vende amendoim nas ruas da capital para ajudar nas despesas da casa, em que mora com mais cinco pessoas.   
 
Apesar da idade mais avançada de Angélica, a diretora do Conjunto Penal Feminino (CPF) de Salvador, único que atende exclusivamente mulheres, Karina Moitinho, afirma que as mulheres encarceradas na instituição costumam ser mais jovens e possuem um perfil específico: “Das mulheres presas, 80% são negras ou pardas, 48% tem entre 18 e 29 anos, 63% não alcançaram o ensino médio e são, em maioria, de classe baixa”.
 
 
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Pedro Casali, defensor público e coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal da Bahia, explica ainda que as mulheres presas não costumam ter posições de destaque no tráfico de drogas: "A nível nacional, 68% das presas são implicadas por tráfico de drogas e sem destaque ou envolvimento nas organizações criminosas. São, quando muito, coadjuvante no crime, raramente gerentes tráficos. Sendo claro, são aviões ou mulas. Já se identificou que elas têm necessidades especiais e são normalmente abandonadas pelos parceiros e são provedoras únicas das suas famílias".  
 
Depois do tráfico, homicídio e roubo são os principais motivos 
 
Apesar do número de mulheres presas ser inferior ao de homens, o defensor público Pedro Casali ressalta que o encarceramento feminino cresceu nos últimos anos: "A taxa de delinquência feminina na década de 50 era de 2% em relação à masculina no Brasil. No ano 2000, quase dobrou, foi a 3,5%. A população carcerária feminina subiu muito, de 5 mil para 40 mil, em 15 anos". Para a diretora do CPF, Karina Moitinho, questões de caráter econômico costumam contribuir para que as mulheres cometam crimes.  
 
“Por muito tempo a mulher não transitou por diversos espaços na sociedade e a criminalidade é um desses. O desemprego, a baixa escolaridade e a falta de acesso a serviços básicos são alguns dos fatores determinantes para o envolvimento de mulheres no mundo do crime”, explica a diretora.   
 
Seguido dos delitos relacionados a Lei de Drogas, os outros motivos que mais levam as mulheres para a prisão são o homicídio e roubo, ainda segundo Karina Moitinho. A prima de Maria** foi presa em junho do ano passado, durante a pandemia, por matar o marido. Segundo a parente, o crime ocorreu quando a mulher tentava se defender de agressões do companheiro, que ocorreram no dia do aniversário de 25 anos dela.   
 
“Ela morava com ele desde os 13 anos e era vítima de violência doméstica. No aniversário dela, ele foi bater nela e pegou uma faca e, para se defender dele, ela pegou outra. Como ele era mais alto que ela, na hora em que ela virou, depois dele tentar enforcar ela, a faca atingiu o peito dele. Ela socorreu, mas ele veio a óbito no hospital”, conta a prima, que preferiu não se identificar por questões de segurança.   
 
Depois de 1 mês e 15 dias presa, Maria foi liberada para cumprir o processo fora da cadeia. O advogado Marcelo Duarte, que a defende, explica que utilizou os argumentos de que ela era ré primária e que, por conta da pandemia, estava com a vida em risco. A prima da mulher conta que durante o período em que Maria esteve em cárcere o acesso a ela foi difícil. Assim que foi presa, ela precisou ficar 14 dias isolada, devido às restrições sanitárias.  
 
“A gente tentava ligar para o presídio e não tinha notícias, porque estava em quarentena, a gente tentava fazer visitas, mas estavam suspensas e ela estava em uma situação psicológica preocupante”, afirma a prima. Desde segunda-feira (7), todas as unidades penitenciárias da Bahia estão com as vistas suspensas por um mês, por conta do aumento de casos de covid-19. Mesmo após 8 meses do crime, a jovem ainda está em estado de choque e usa medicamentos controlados. “Está para ter a audiência para ela poder falar. Mas ela vive a base de Rivotril e não consegue falar sobre o assunto”, completa.  
 
Marcelo de Paula, membro do Grupo de Estudios del Sistema Penal, lembra que os crimes passionais eram os mais comuns no Brasil durante a década de 90, mas a entrada das mulheres no tráfico de drogas, em especial devido ao envolvimento com companheiros já presentes no mundo do crime, mudou o caráter dos delitos. 
 
"É válido citar a mudança observada no Conjunto Penal Feminino de Salvador com o passar do tempo, entre 1990 e 2019. Nos primeiros anos, os crimes mais cometidos pelas detentas eram os passionais, já em 2019 isso mudou e a maioria dos crimes ensejadores do encarceramento diz respeito às drogas”, afirma. 
 
Ressocialização 
 
Adriana Argolo, 44, diz que a vida dela daria um filme e isso não é por acaso. Em 2012 ela saiu para um passeio com o marido, o que ela não sabia era que aquele dia de agosto mudaria sua vida para sempre. Isso porque seu companheiro roubou um carro quando estava com ela e, pouco tempo depois, depois a polícia os prendeu em flagrante. Os resultados foram 7 anos de prisão e o término do casamento.  
 
Adriana relembra que o homem já era envolvido com tráfico de drogas e que ela chegou a cometer outros delitos antes do qual a levou para a prisão por quase uma década. “Eu sofria muito e quando eu passei a ficar com ele eram muitos riscos e perigos, mas, no meio disso tudo, o dinheiro era muito fácil, então não vou dizer que não gostava”, conta. 
 
O que mais marcou a mulher durante os anos presa foi não poder acompanhar o crescimento dos filhos – ela tem sete. Adriana também relata a dificuldade em conseguir um emprego quando saiu da prisão e diz que o governo deveria olhar para essas pessoas: “Depois de tantos anos parada é até difícil para a pessoa sair e conseguir trabalhar [...] A sorte que eu tive, muitas outras não têm. As pessoas saem de lá mais revoltadas ainda”, diz.  
 
Hoje, a egressa trabalha no Escritório Social da Bahia fazendo serviços de limpeza. A unidade promove a ressocialização de ex-detentas do estado, através de processos multidisciplinares.  
 
Enquanto famílias baianas tentam refazer a vida depois do crime, outros parentes clamam para que a justiça seja feita de forma mais rápida. Há dois anos, Tais Oliveira aguarda uma audiência presa preventivamente no Conjunto Penal Feminino da Mata Escura. Os familiares contam que ela foi acusada por um suposto envolvimento no esquema de organização criminosa do irmão, que é membro do exército e também está preso.  
 
“Por conta de uma mensagem que ela enviou do celular dela, a pedido do meu irmão, indiciaram ela como se fizesse parte do grupo dele [...] Nisso tem dois anos que não temos nenhuma solução e ela sem poder fazer a defesa dela para o juiz”, afirma o irmão de Tais Oliveira, que preferiu não se identificar. A mulher tem uma filha de 15 anos e a família defende sua inocência.
 
 
 
Especialista tira dúvidas sobre o perfil das presas na Bahia 
 
Luz Marina,  é ex-diretora do Conjunto Penal Feminino (CPF) de Salvador e atualmente coordenadora do Escritório Social da Bahia (Esba), diz que, geralmente, as mulheres que são privadas de liberdade são abandonadas pela família. "A pena para a mulher é muito mais perversa e severa", afirma. 
 
Existe um recorte racial no perfil das mulheres que são presas no estado? 
 
O perfil da mulher encarcerada na Bahia é aquela preta, pobre e da periferia. Com uma média 18 a 34 anos. Muitas estão solteiras e são mães de família. Mães solos que provém o sustento da família sós. 
 
Por que muitas delas acabam sendo presas por causa dos companheiros? 
 
Muitas mulheres estão nas unidades prisionais por conta dos seus companheiros. Na verdade, elas são motivadas pela paixão. Muitas até querem sair do mundo do crime, mas não conseguem por causa dos maridos que continuam presos, por causa das ameaças ou do crime organizado.  
 
Como a sociedade enxerga as mulheres que cometem crimes e são presas? 
 
Geralmente, as mulheres que são privadas de liberdade são abandonadas pela família, porque a mulher foi pensada para ser aquela pessoa do lar. A sociedade rejeita e pune porque não aceita a mulher cometendo crimes. A pena para a mulher é muito mais perversa e severa. [...] A mulher encarcerada, às vezes pode ser até absolvida, porém quando ela sai, parece que carrega nas costas uma pena de prisão perpétua.  
 
Quais são as maiores dificuldades para a ressocialização das egressas? 
 
A sociedade não oferta oportunidades. As pessoas pensam que ressocialização é só colocar para estudar e ter assistência material, mas não, ressocialização é um conjunto. É você ter alguém que possa dar um atendimento, é também fazer uma oitiva com aquela pessoa. [...] Existe uma grande demanda por trabalho, essa política é para inserir essa mulher de forma digna na sociedade.  
 
Publicado em Polícia