Cerca de 70% dos carros na Bahia não têm seguro
Na Bahia, cerca de 70% da frota de carros não têm algum tipo de seguro. São 1,3 milhão de motoristas que estão expostos a passar por algum problema no veículo e ter que arcar com o prejuízo. O levantamento foi feito com dados do Sindicato das Seguradoras nos estados da Bahia, de Sergipe e de Tocantins (Sindseg BA/SE/TO) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Essa última até estabeleceu novas regras para o setor, com o objetivo de tentar baratear e ampliar o acesso do seguro.
É que o valor dos seguros é apontado como um dos motivos que afastam os motoristas do serviço. O preço médio do seguro dos dez veículos mais vendidos em agosto, de acordo com levantamento realizado pela corretora Minuto Seguros, foi de R$ 3.040 para homens e R$ 2.725 para mulheres. O conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-BA) e educador financeiro, Edval Landulfo, diz que, com esse valor, muitos não conseguem encaixar o seguro dentro do orçamento familiar.
"Só que um planejamento financeiro não pode ter apenas alimentação e despesas básicas. Tem que considerar impostos, eventualidades e um bom seguro”, diz. Ainda para o especialista, existem fatores que elevam o preço do seguro, como aumento constante da violência, falta de investimento no transporte público e falta de educação no trânsito.
“Os especialistas usam toda uma estatística para saber os riscos de determinados modelos, em determinados locais. O preço não é um achismo. Até o perfil do cliente é estudado: um homem jovem solteiro tem seguro mais caro do que uma mulher, por exemplo. Para reduzir os preços, é preciso políticas públicas para diminuir a violência, influenciar o uso do transporte público, para que o carro não seja uma prioridade, e aumentar a educação no trânsito para reduzir os acidentes”, defende.
Seguro evita dor de cabeça nos momentos de mais dificuldade
Quem teve problemas com um carro sem seguro sabe bem a dor de cabeça que tem de enfrentar. Os sogros do corretor de imóveis Orlando Dias tiveram o carro assaltado no início de setembro, enquanto eles foram abastecer num posto de combustível na região do Vale do Ogunjá, em Salvador. O veículo, um Fiat Siena 2010, não tinha seguro. “Fazia um mês que o contrato tinha encerrado e eles estavam no período para renovação”, lembra.
O casal ainda perdeu anel, telefone celular e pertences pessoais. Eles registraram o assalto na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos, mas o veículo ainda não foi encontrado. Por enquanto, fica o trauma do que foi vivido e o prejuízo avaliado em R$ 20 mil. “Eles estão com dificuldade para sair de casa. Uma vez tiveram que sair de transporte público e não finalizaram a viagem por medo de assalto no ônibus. A violência traumatiza muito”, lamenta o genro.
A administradora Bruna Cunha, 32 anos, também viveu situação semelhante. No dia 17 de janeiro de 2021, quando saía da casa de uma amiga, em Mussurunga, ela teve seu carro assaltado, um Uno Vivace usado. “Era do meu pai e, desde que passou para minha mão, parou de ter seguro. Eu achava que ele não era visado por ser usado. Pensei que fosse tranquilo”, lamenta.
Hoje Bruna já tem outro carro e, dessa vez, com seguro. “Tenho bloqueador e tudo que é possível para aumentar minha sensação de segurança. Também evito sair à noite e, quando saio, é com o alerta no máximo, pois ficou o trauma e está demorando para passar”, disse. Contando com o notebook, óculos e outros pertences que tinham no veículo, Bruna estima que o prejuízo foi de R$ 20 mil.
Já o professor Mauro Borges, 46 anos, teve um golpe de azar e sorte em pouco espaço de tempo. Em dezembro de 2020, ele comprou um Chevrolet Cobalt 2013 e colocou imediatamente no seguro.
“No entanto, em janeiro, eu instalei o kit gás no carro e, ao comunicar a seguradora, tive a apólice cancelada e todo o dinheiro devolvido. Na mesma semana em que isso aconteceu, o carro foi roubado em Lauro de Freitas”, lembra.
O prejuízo do rapaz seria de R$ 32 mil caso o veículo não fosse encontrado, duas semanas depois, em Mussurunga. “Eu já estava pesquisando um novo carro e tinha dado aquele como perdido. Eles abandonaram o veículo e não tiraram nada, só pertences como mochila, celular e carteira. O carro não tinha um arranhão”, conta o professor, que diz ter aprendido a lição de não tirar mais o carro da garagem quando ele está sem seguro. “Já coloquei novamente e estou com tudo regularizado”, garante.
Novas regras querem que seguro alcance os que insistem em não utilizar
Mesmo com esses exemplos, tem quem não se incomode em andar de carro sem seguro. Larissa (nome alterado a pedido do entrevistado) vive no interior, na cidade de Ribeira do Pombal, nordeste da Bahia, e não optou pelo item. “Quando eu morava em Salvador e era motorista de aplicativo, tinha seguro, mas quando vim para o interior e troquei de carro, senti dificuldade com as seguradoras para fazer um bom contrato. O valor é muito alto para um veículo que não vale tanto. Eu também o deixo mais na garagem e uso mais a moto por causa do preço da gasolina. Não vale a pena pagar seguro nesse caso”, argumenta.
Os especialistas do setor não pensam como a jovem. Como educador financeiro, Edval Landulfo conhece bem o perfil dos brasileiros quando o assunto é seguro. “Não só os de automóveis, mas quanto ao seguro de vida e residencial, é uma característica do brasileiro, em geral, ter receio de adquirir, pois convencionou-se de que isso é um agouro”, explica. É como se as pessoas pensassem que, só por contratar um seguro, estaria atraindo alguma fatalidade. Juntando isso ao preço caro da apólice, não há estímulo para a compra.
O conjunto de novas regras e modalidades estabelecidas pela Susep, em setembro, quer diminuir esse problema. Agora está permitido, por exemplo, mais flexibilização das apólices de seguro, de modo que os serviços oferecidos sejam cada vez mais personalizados às necessidades do motorista. É possível, por exemplo, que os corretores negociem seguros que cobrem parcialmente o automóvel e não ele todo. Além disso, o cliente pode apontar os riscos que mais corre e deseja contratar: furto, roubo, colisão, incêndio, etc. e não mais adquirir na forma de pacote.
“Isso vai ser saudável para as associadas ampliarem a competitividade e trazerem ao mercado mais produtos personalizados. Para os 30% que já contratam uma apólice, não vai mudar muito, a não ser que seja uma condição muito específica. O benefício da normativa é permitir que a gente alcance um novo público, os 70% que não têm acesso ao seguro por causa do valor”, explica Alexandro Barbosa, presidente do SindSeg BA/SE/TO.
A superintendente da Susep, Solange Vieira, tem a mesma linha de pensamento. “Temos trabalhado para que o seguro seja cada vez mais uma opção para que o cidadão possa se proteger e proteger seu patrimônio. As mudanças no seguro auto propiciarão muitas oportunidades para o mercado e, principalmente, para novos consumidores de seguro. Trata-se de oferecer mais acesso e possibilidade de escolhas”, afirma.
Entre as mudanças implementadas pela autarquia está também a possibilidade do seguro ser contratado sem a identificação exata do veículo. Esta medida deve aumentar o acesso a motoristas de aplicativos e condutores que adotam o compartilhamento de automóveis, utilizam carros por assinatura ou alugados. Além disso, será possível a contratação de coberturas de responsabilidade civil facultativa, assistência e acidentes pessoais de passageiros vinculados ao condutor, independente de quem seja o proprietário do veículo.
Corretores não gostaram das novidades
Para a Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), ao contrário do que argumenta a Susep, as mudanças não trarão necessariamente uma redução dos preços médios do seguro de veículos. “Na prática, o que a autarquia classifica como redução de preço, dependendo das condições contratuais e dos novos produtos oferecidos pelas seguradoras, na verdade, será apenas uma consequência da contratação de um volume menor de coberturas, o que deixará o consumidor exposto ao risco e não adequadamente protegido”, denuncia.
Nesse contexto, pode haver situações em que o cliente tenha prejuízos ou perdas expressivas, que impactarão negativamente na reparação do seu patrimônio, segundo a Fenacor. “A recomendação é para o corretor analisar cuidadosamente qual a melhor opção para cada cliente. Ele deve alertar para os diversos riscos a que estarão expostos seus clientes”, pede.
O corretor Marcelo Borges, dono da Apoio Bahia Corretagem de Seguros, localizada em Feira de Santana, concorda com a Fenacor. “As regras propõem coberturas que as pessoas não têm interesse. Como eu vou aconselhar meu cliente a ter um produto de menos qualidade só por causa do preço?”, questiona. Ele acredita que o cenário só torna a figura do corretor de seguros cada vez mais importante.
“É esse profissional que vai fazer uma consultoria e alertar os clientes a não caírem em ofertas que podem dar mais dor de cabeça”, argumenta. A Fenacor também pensa assim.
“Esse novo marco aumenta consideravelmente a responsabilidade do Corretor de Seguros e, ao mesmo tempo, fortalece a imagem desse profissional no processo de contratação de uma proteção para o seu patrimônio, sendo devidamente orientado a optar por aquelas coberturas que, de fato, atendem suas reais necessidades”, disse.
O corretor Ariedson Cordeiro de Oliveira, dono da Caraíba Corretora de Seguros, localizada em Serrinha, disse ainda estar avaliando as novas regras. “Só depois dessa análise que vou implementar ou não alguma mudança. Mas, no geral, estou ouvindo os colegas criticarem bastante as mudanças”, relata.
Setor de seguros deve acelerar crescimento
Em 2019, a superintendência calculou que o total de veículos segurados na Bahia era de 566.455, o que representa 30% dos 1,9 milhão de automóveis no estado naquela época, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual de carros com seguro no estado é o mesmo do nacional, de acordo com o Sindseg BA/SE/TO.
Por causa da pandemia, não há dados de números de apólices válidas em 2020, mas outros dados da Susep informados pelo sindicato mostram que, no primeiro semestre de 2020, as empresas baianas do setor arrecadaram R$ 507,16 milhões, o que representa uma queda de 13,1% em comparação com o mesmo período de 2019.
Em 2021, o setor começou a se recuperar dos efeitos da pandemia e arrecadou R$ 542,63 milhões, uma alta de 6,9%. A nível nacional, foram arrecadados R$ 17,43 bilhões no primeiro semestre do ano, 6,8% a mais do que o mesmo período de 2020. Para Barbosa, os números são um reflexo de que as pessoas já estão contratando mais o serviço.
“Com a pandemia, teve uma queda na procura por seguro, mas já retomamos o crescimento. O aumento é real, mas não é ainda um reflexo da nova norma, que só começou a operar em setembro. Vamos crescer mais ainda o faturamento com essas regras”, projeta.
A Susep também prevê desenvolvimento do setor. “Esperamos um crescimento significativo do mercado nos próximos anos, com ampliação de cobertura, inclusão e, principalmente, inovação. E, a partir de agora, as bases para um ambiente favorável à competição e novos negócios, com menos restrições regulatórias, estão lançadas”, afirma o diretor da Susep, Rafael Scherre.
Esse crescimento não vai ser imediato, pois o setor tem um período de adaptação que precisa ser respeitado. "Nós já estamos no período de adaptação. As regras estão flexibilizadas, mas as seguradoras não são obrigadas a oferecer produtos mais acessíveis imediatamente. Acredito que, aos poucos, veremos elas oferecem produtos mais populares, simples e com menos cobertura”, explica Alexandro Barbosa.