Estudantes da Ufba são vítimas de golpe do falso aluguel na OLX
Laís, Milena, Duda, Raquel. Esses são alguns dos nomes fictícios utilizados para aplicar um golpe em estudantes da Universidade Federal da Bahia. Tudo se baseia no anúncio de um quarto em um apartamento no bairro da Graça, somente para mulheres, através da plataforma OLX. A pessoa que aplica o golpe leva a conversa para o aplicativo WhatsApp, cobra o valor do aluguel adiantado para garantir a vaga, recebe o dinheiro e some. Ao menos seis alunas da Ufba já foram vítimas do golpe e perderam valores entre R$ 250 e R$ 1.500.
A foto de mulher que aparece no perfil do WhatsApp é sempre a mesma, mas as poses variam e os nomes são diferentes, assim como as histórias contadas. Para algumas, a pessoa por trás do golpe diz que é uma enfermeira e, para outras, estudante de Medicina na Ufba. Os nomes e informações das próprias vítimas são usadas para enganar os próximos alvos, envolvendo-as em uma rede de compartilhamento de Pix sem que as jovens enganadas suspeitem.
A reportagem optou por não exibir a foto do Whatsapp no print que ilustra essa reportagem (mais abaixo) porque a imagem pode ter sido clonada da rede social de alguém que sequer suspeita que teve sua imagem associada a um golpe.
A estudante de Fisioterapia da Ufba, Márjorie Gomes, de 27 anos, perdeu R$1.500 para a golpista, que se apresentou para ela através da plataforma OLX inicialmente como Duda, uma enfermeira, e passou um número de WhatsApp. No aplicativo, o nome que aparecia era Rai e, depois, ao se apresentar de novo, provavelmente não associando que seria a mesma pessoa que já tinha entrado em contato, deu o nome de Jessi. O apartamento anunciado ficaria na Rua Euclides da Cunha, na Graça, com aluguel mensal de R$500.
Márjorie é de Vitória da Conquista, onde está desde que a pandemia começou. Em dezembro, começou a procurar apartamento para voltar para Salvador, a partir do anúncio de que as atividades presenciais na Ufba irão retornar no primeiro semestre de 2022. “Eu estava empolgada, queria muito o apartamento e acabei deixando essa questão dos nomes diferentes para lá. Estava querendo saber sobre o local, se eu precisava levar alguma coisa e isso acabou passando batido”, diz a estudante.
A técnica de conquista é clássica. A golpista vai logo dizendo que tem outra pessoa interessada no quarto, mas que, se a vítima pagar logo, a vaga é dela. “Ela mencionou uma outra menina que estaria interessada, mas disse que a energia dela tinha batido mais com a minha, que ela tinha gostado mais da conversa comigo do que com a outra e que isso era importante para dividir um apartamento”, conta. A golpista se mostrava também muito amigável, conforme conta Márjorie. “Ela ia me ganhando, sempre chamando de amiga, tendo um contato muito íntimo”.
Para Márjorie, a golpista disse que precisava pagar o condomínio, no valor de R$1.500, mas que o aplicativo do banco estava fora do ar e então pediu ajuda. A estudante pagaria R$750 referente aos R$500 do aluguel de março e R$250 de metade de fevereiro, e os outros R$750 a golpista devolveria assim que o aplicativo voltasse a funcionar. E assim o depósito foi feito, uma parte em Pix para um homem chamado Fabrício, que seria o dono do apartamento, segundo a golpista, e outra parte para uma conta bancária com CNPJ, uma empresa de Fabrício. “No meu desespero, eu aceitei. Eu queria muito voltar para Salvador, encontrar um bom lugar, achei o apartamento excelente, um preço excelente”.
A golpista até disse, depois, que tinha voltado atrás e devolveria os R$250 de fevereiro. Mas esses R$250 chegariam através de uma outra vítima, somente como estratégia para ganhar a confiança de Márjorie. “A outra interessada no quarto entrou em contato comigo perguntando se eu era a dona do apartamento porque a golpista passou meu Pix, que é meu número de celular, para ela fazer o pagamento de 250 reais para mim. Aí eu não entendi nada e já fiquei preocupada. Ela então disse que tinha sido bloqueada pela golpista e logo depois eu vi que eu tinha sido também”, explica Márjorie.
“Eu já estava arrumando minhas coisas, estava tão feliz. Quando eu descobri que era um golpe, foi um baque, fiquei muito nervosa. Foram mais de dois meses do meu salário”, lamenta. A estudante já tinha passado seu nome completo, e-mail e RG para a golpista. Quando pesquisou o CNPJ da empresa para a qual tinha feito o depósito, descobriu que se tratava de uma locadora de veículos e que o tal Fabrício tinha quitado uma dívida lá utilizando o nome de Márjorie e o comprovante de depósito que ela enviou para a golpista.
Márjorie registrou ocorrência na delegacia de furtos e roubos e tentou conseguir seu dinheiro de volta com a locadora, mas sem sucesso. “Eu fiz um relato e enviei para páginas de redes sociais na Ufba para alertar as pessoas e aí começaram a aparecer mais vítimas. Já somos ao menos seis e todas registraram ocorrência. Quero alertar todo mundo porque eu fiquei com medo, tirei meu sobrenome e minha foto do WhatsApp, não aceito ninguém mais em rede social, cancelei minha chave Pix, cancelei minha aproximação do cartão; foi um trauma”, diz a estudante.
A golpista não teve compaixão nem de Erica Maria Silva, de 30 anos. Ela é de Pernambuco e estuda Medicina na Ufba. As atividades presenciais para Medicina retornaram no semestre passado, mas Erica não teve condições de voltar, está fazendo uma rifa para conseguir se manter em Salvador e dividiu isso com a golpista, que não se importou. Nesse caso, quem aplicou o golpe se identificou como Duda, uma enfermeira, que disse que o apartamento também ficava no Edifício Duque, na Rua Euclides da Cunha, na Graça.
“Eu fiquei realmente muito mal porque tem amigos meus, professores, me ajudando. Senti muita vergonha de ter caído no golpe e perdido R$500. Eu sempre alugo quarto porque aquela região perto do Canela, que é o campus de Medicina, é muito cara, não tenho como pegar um apartamento sozinha. E das outras vezes eu paguei esse adiantamento e não tive problema. Eu me surpreendo por não ter percebido. Eu estava tão desesperada para alugar um quarto que não reparei que o valor estava muito barato porque o prédio era muito bom e o condomínio seria caro”, diz.
“Ela falou que tinha uma outra menina interessada, mas que podia cancelar com ela porque tinha gostado muito de mim. Eu fiz o Pix no nome de Maria Eduarda, que seria ela mesma, Duda. Falei para ela que uma amiga minha de Salvador iria lá ver o apartamento e aí ela parou de me responder. Aí fiquei desconfiada. Pedi para uma amiga se passar por interessada lá na OLX e ela disse a mesma coisa que disse para mim. Aí eu vi que tinha caído em um golpe e que ela tinha me bloqueado no WhatsApp”, conta Erica.
Já com Talita Guerra, de 33 anos, a golpista se apresentou como Milena, uma estudante de Medicina da Ufba, e o apartamento seria o 204, no Edifício Duque, na Rua da Paz, também na Graça. Talita é de São Paulo e estuda Engenharia Civil na Ufba. “É muito difícil procurar apartamento à distância. E esse me chamou atenção porque é complicado achar algo bom num valor acessível. O apartamento era muito bonito, com dois quartos, um dela e um meu. Adorei o prédio, o apartamento, a localização. Ela foi muito amigável, muito bacana”, relata Talita.
A estratégia de dizer que já tinha outra pessoa interessada se manteve. Talita, com receio de perder a vaga, pagou R$750 através de Pix para Quezia Juane Batista dos Santos, que seria a proprietária do apartamento. Após o pagamento, a golpista sumiu. “Eu pedi pra um conhecido meu em Salvador ir até o edifício e aí ele foi e soube que não tinha ali o apartamento 204, não tinha nenhuma moradora com nome de Milena e nem de Quezia, e que outras pessoas já tinham ido lá com a mesma história”, conta Talita.
A estudante registrou ocorrência em uma delegacia de São Paulo e também uma denúncia na Defensoria Pública de lá. “Fiquei desesperada, chorando, sem saber o que fazer. A gente nunca achava que vai acontecer com a gente, até hoje eu fico sem acreditar que eu caí num golpe desse, mas realmente qualquer um pode cair”, finaliza.
OLX remove anúncio de golpista da plataforma
A OLX informou que retirou o anúncio mais recente utilizado pela golpista, bloqueou o usuário identificado e reforçou que está à disposição das autoridades para colaborar na apuração dos fatos. "Segurança é uma prioridade para a OLX e a plataforma investe constantemente em tecnologia e serviços de orientação ao usuário, com indicação das melhores práticas de negociação, incluindo a recomendação de visitar o imóvel antes de fechar o negócio, formalizar um contrato de locação e só realizar o pagamento após confirmar a veracidade da existência do imóvel", diz a nota.
A empresa ainda destacou que as negociações são feitas diretamente entre anunciante e interessados, sem intermediação da OLX, e pediu para que usuários, ao perceberem políticas sendo infringidas, realizem a denúncia através da plataforma para que os anúncios sejam investigados e removidos.
A Ufba disse que não irá se manifestar sobre o assunto. A Polícia Civil informou, em nota, que apura todos os dias casos de golpes envolvendo pagamentos online em todas as suas delegacias territoriais e toda denúncia e informação a mais é bem-vinda. "Devido às características inerentes à internet, falsários podem estar em qualquer lugar do Brasil e/ou agindo em rede – motivo pelo qual as investigações não costumam ser simples ou rápidas", diz a resposta.
Fica o alerta
Bernardo Chezzi, advogado especialista em direito imobiliário e professor da Faculdade Baiana de Direito, alerta para qual deve ser o procedimento na hora de alugar um quarto ou apartamento.
"A pessoa nunca deve dar qualquer valor sem um contrato assinado. Então a primeira coisa é fazer o contrato. Para isso, o interessado deve buscar evidências de que aquela pessoa é proprietária do imóvel ou locatária que está sublocando quartos. Isso pode ser feito através de conta de luz ou de água, matrícula do imóvel, contrato de locação. E nisso é importante verificar, no caso de uma pessoa que aluga o imóvel e quer alugar um quarto dele, se isso é permitido na configuração que essa pessoa tem com o proprietário porque o padrão é que não seja", coloca o advogado.
Chezzi fala ainda da importância de visitar o imóvel para ver se o anunciante tem vínculo com o imóvel e se as fotos e informações do anúncio correspondem à realidade. "No caso de quem está na cidade em que o imóvel fica localizado, isso fica mais fácil. Mas, se não houver essa possibilidade, a pessoa pode pedir para que quem está alugando faça uma chamada de vídeo e mostre o local", acrescenta. A partir das comprovações e da assinatura de contrato, é comum que seja exigido caução ou pagamento adiantado do aluguel para garantia da locação.
Segundo a advogada especialista em Direito Digital Ana Paula de Moraes, a plataforma OLX também tem responsabilidade perante o crime. "Mesmo que a plataforma, em seus termos de uso e políticas de uso, pautem a sua exclusão de responsabilidade perante o consumidor em relação a todas as transações ali realizadas, o Código de Defesa do Consumidor e os julgamentos proferidos pelos magistrados em diversas ações já movidas contra a plataforma já se posicionaram a entender juridicamente que a OLX responde de forma solidária por ser aquele ambiente uma relação de consumo", coloca.
Confira dicas:
Mantenha a negociação dentro da plataforma/site em que foi encontrado o anúncio
Desconfie de valores muito abaixo do padrão de mercado
Busque extrair o máximo de informações sobre o anunciante e o imóvel
Procure sempre manter contato por ligações ao invés de troca de mensagens
Se certifique de que aquela pessoa é mesmo a proprietária ou locatária do imóvel
Sempre que possível, visite o imóvel ou realize uma chamada de vídeo no local com o anunciante
Exija um contrato
Se cair no golpe, faça a denúncia em uma delegacia de polícia, presencialmente ou por via digital. Guarde ou salve comprovantes, imagens de telas, fotos, e-mails, mensagens suspeitas e quaisquer outros dados que possam ajudar a comprovar a fraude e, também, a encontrar os suspeitos
Entre em contato com imediatamente com o banco para o qual o dinheiro foi enviado e passe todas as informações sobre o golpe, após isso informe que você tem o Boletim de Ocorrência e peça para que o banco faça o bloqueio da conta dos fraudadores
Se necessário, entre com ação perante o Juizado Especial Cível contra o golpista e a plataforma