Entre as 27 capitais brasileiras, Salvador tem hoje a segunda pior qualidade de internet móvel do país, perdendo apenas para Fortaleza (CE). O ranking, elaborado pela Consultoria Teleco, a pedido do Movimento Antene-se, leva em conta a quantidade de habitantes por antena. A capital baiana tem, uma média, de 2.582 pessoas por estação, número que é três vezes maior que a proporção de países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, são 837 por estação. Resultado: pouca antena para muitos usuários significa baixa qualidade, ou até mesmo inexistência de sinal de internet porque é mais gente dividindo o mesmo sinal. Quem está mais distante da antena, fica com uma conexão ainda pior.

Salvador tem média de qualidade de internet pelo celular considerada "ruim" e os bairros periféricos são os que mais sofrem com o serviço. A região da Cidade Baixa está no topo do ranking negativo. Por outro lado, as localidades entre os bairros da Pituba e Barra têm a melhor conexão. Ou seja, segundo o estudo, quanto maior a renda média de um determinado bairro, melhor é a conexão de internet na localidade.

A situação em Salvador pode ser ainda pior, já que o estudo utiliza dados do Censo do IBGE de 2010 para os parâmetros de população e dados de 2020 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para os parâmetros de quantidade de infraestruturas de antenas.

O consultor de vendas Ramon Lima, de 31 anos, mora no bairro de Monte Serrat, na Cidade Baixa, região com a pior conexão de internet celular, segundo o estudo. Ele conta que por lá a única operadora que funciona é a Vivo e, ainda assim, em celulares mais novos e com boa tecnologia. O funcionamento das máquinas de cartão também fica comprometido. “Quando eu peço delivery, tenho que levar a maquininha do entregador até o primeiro andar ou então conectar com o wifi da minha casa”, diz.

Em casa, o wifi salva. Mas, e nos estabelecimentos comerciais? O proprietário do Hugos Bar, no Bonfim, Hugo Oliveira, de 36 anos, enfrenta dificuldades para se comunicar com os clientes e já até perdeu pedidos porque as mensagens não chegavam. “Eu dependo de internet para aceitar os pedidos dos clientes e por aqui isso é uma dificuldade. Quando chove, então, é uma verdadeira agonia e desespero. Isso sem contar da conexão da maquininha de cartão para os pagamentos e também para a conexão das câmeras de segurança. Quando eu não estou no bar, eu tento sempre olhar o celular e checar, mas se uso os dados móveis, o aplicativo não abre. Já até chamei um técnico achando que o problema estava no sistema”, conta.

A quantidade recomendável para uma boa conexão é de menos de mil habitantes por antena. Entre mil e 2 mil, a qualidade é considerada limítrofe. De 2 mil a 5 mil, ruim. De 5 mil a 10 mil, crítica. Por fim, para mais de 10 mil, a conexão é residual. Salvador fica na categoria ruim e nenhuma região da cidade (na divisão por prefeituras-bairro) recebe o selo de aceitável. Das 10 localidades consideradas no levantamento, duas estão em situação crítica (Cidade Baixa e Subúrbio/Ilhas); seis estão ruins (Liberdade/São Caetano, Cajazeiras, Pau da Lima, Cabula/Tancredo Neves, Valéria e Itapuã/Ipitanga); e duas estão limítrofes (Centro/Brotas e Barra/Pituba).

A carência de antenas é maior nas regiões que apresentam renda média mais baixa, como Subúrbio/Ilhas (com 19,77% dos domicílios com renda superior a um salário mínimo), que possuem mais pessoas atendidas por uma mesma infraestrutura, menos infraestrutura por km² e menor quantidade de antenas, ocasionado pior qualidade de conexão. Já as áreas com renda domiciliar mais alta, como Barra/Pituba (com 65,30% dos domicílios com renda superior a um salário mínimo) possuem menos pessoas atendidas por uma mesma infraestrutura, mais infraestrutura por km² e maior quantidade de antenas com condição aceitável ou limítrofe.

A chefe de cozinha Angeluci Figueiredo, de 48 anos, é uma das moradoras da Ilha dos Frades a enfrentar problemas com a internet pelo celular. Ela é dona da Pretoca Pousada e do Restaurante Preta e diz que precisa ter um funcionário em Salvador para lidar com o WhatsApp dos empreendimentos e atender as reservas dos clientes. “As pessoas me mandam mensagem e eu não recebo. Às vezes chega o áudio e eu não consigo baixar para escutar. Aí as pessoas pensam que eu não quis ouvir ou que eu não quis responder. Quando eu chego em Salvador, o celular enche de mensagem de uma vez porque recebo tudo que estava acumulado”, conta ela.

Angeluci diz que o que mais incomoda é a conexão das maquininhas de cartão, o que compromete o pagamento das contas do restaurante e da pousada. “A gente tem que sair andando em busca de um sinal bom”, diz ela. E o problema também acontece com a internet wifi. “Eu não consigo assistir um filme ou pagar um boleto. Eu já tentei diversas operadoras e o problema continua”.

De acordo com Luciano Stutz, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (Abrintel), a pandemia aguçou para todos a dependência em relação à conectividade, mas foram as áreas periféricas que sofreram mais limitações. “São as pessoas que moram nessas localidades que estão sendo privadas de fazer aula à distância ou um home office, por exemplo. Isso sem falar nos empreendedores das comunidades”, afirma Stutz.

O esquema de distribuição de sinal funciona da seguinte maneira: as antenas de uma infraestrutura cobrem uma área denominada célula e cada antena divide a sua capacidade de dados com os usuários a quem atende. Quanto mais usuários atendidos por uma antena, menor a velocidade de conexão de cada um. A partir de uma certa quantidade de usuários, a célula passa a diminuir, deixando os usuários mais distantes sem sinal.

Em São Caetano, região que ocupa a terceira posição no ranking negativo de qualidade de internet, a turismóloga Andrea Neves, de 37 anos, diz que, após o aumento das construções ao redor da sua casa, a conexão vem piorando. “Aqui em frente era uma metalúrgica e, depois, construíram um condomínio enorme. Aí agora a TIM não pega aqui em casa, só na rua. A Claro, a Oi e a Vivo são mais ou menos, basta chover que a conexão fica fraca”.

Também em São Caetano, o proprietário da loja Point Jet Informática, Rafael Chagas, de 30 anos, teve que instalar wifi no estabelecimento para driblar os problemas que tinha com a internet do celular. “Já tentei várias operadoras, mas não deu certo. Os clientes não conseguiam entrar em contato, a gente saía com prejuízo. Os fornecedores também não conseguiam se comunicar com a gente, ficamos com várias reclamações. Aí a solução foi o wifi”, explica.

Por que Salvador tem poucas infraestruturas para antenas?

O presidente da Abrintel defende que não é por falta de interesse das operadoras de telefonia. “Onde tem gente, tem interesse econômico. O impedimento vem do licenciamento urbanístico para a instalação da infraestrutura, que depende da lei municipal que, no caso de Salvador, é de 2006. Ou seja, é uma lei que foi feita na época do 3G e já estamos aí beirando o 5G”, afirma.

Stutz diz que a legislação só considera a instalação em torres muito altas e impõe diversas restrições, necessitando atualizações, já que “hoje, é possível colocar uma antena em cima de uma banca de revista porque ela é quase do mesmo tamanho de uma caixa de sapato”. Ele também explica por que há desigualdade entre as regiões de Salvador.

“É preciso que o terreno onde vai ser instalada essa antena tenha regularização da prefeitura, ou seja, aquele registro de imóvel. Onde nas periferias você encontra um terreno registrado na prefeitura? É muito difícil. Outro requisito é o recuo muito grande, que demanda um terreno grande, o que também foge da realidade dos imóveis periféricos. Então os pedidos são feitos, mas ficam inviáveis”, acrescenta o presidente. Segundo a Abrintel, até o final de 2020, 43 protocolos para instalação de novas infraestruturas ou regularização de antigas estavam retidos na prefeitura.

O tema se torna ainda mais urgente devido à proximidade da implementação do 5G, prevista para 2022, pois a tecnologia de 5ª geração demanda cinco vezes mais antenas do que o número necessário para os padrões atuais de conectividade e prevê a instalação em locais mais acessíveis, sem demandar uma infraestrutura tão complexa.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) recebeu na última quarta-feira (27) as propostas das empresas interessadas em participar do leilão do 5G. As propostas serão abertas no dia 4 de novembro. O 5G vem para melhorar o que já existe: o 4G. Mais objetos poderão estar conectados e responder de maneira instantânea ao que é pedido por comandos de voz ou poucos toques no telefone, mas esses benefícios dependem das infraestruturas de antenas.

“A legislação de Salvador não trata dessas antenas de pequeno porte. Ou seja, é urgente que se atualize isso não só em Salvador mas em outras cidades brasileiras, para permitir a chegada do 5G. Se isso não for feito, a população pode sofrer com um 5G ruim, um Fusca ao invés de uma Ferrari”, finaliza Stutz.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur), responsável por emitir a Licença para Instalação de Infraestrutura de Suporte para Telecomunicações, foi procurada. Em nota, respondeu que a quantidade de protocolos em andamento informada pela Abrintel não procede. “No momento, só há cinco processos de pedidos de licenciamento ERBS [Estação Rádio Base] em análise técnica na secretaria”.

A nota ainda informa que, no município de Salvador, sobre o tema, existem as seguintes leis/decretos: Lei nº 6976/2006, que dispõe sobre o Licenciamento para Construção de Estação Rádio Base (ERB) e Estação de Telefonia sem Fio (ETSF); Decreto nº 18147/2008, que regulamenta dispositivos da lei nº 6.976/2006; Lei 9.148/2016, que dispõe sobre o Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do Município de Salvador; e Lei Nº 9.069/2016 de 30/06/2016, que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (PDDU 2016).

As operadoras TIM, Oi, Vivo e Claro, que oferecem serviço de internet celular em Salvador, informaram que se manifestariam através da Conexis Brasil, entidade que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade. Em nota, a Conexis disse que, além da alta demanda em localidades específicas, “na cidade de Salvador, as empresas também enfrentam o desafio de uma legislação de antenas desatualizada. A cidade ocupa a 10ª posição entre as capitais e a 33º entre as 100 cidades avaliadas no ranking Cidades Amigas da Internet. O ranking, divulgado pela Conexis, avalia a legislação para a instalação de antenas e outras infraestruturas necessárias à prestação do serviço de telecomunicações”.

Procurada, a Anatel disse que “Prefeituras e Câmaras Municipais podem reduzir barreiras à conectividade das cidades brasileiras por meio da atualização da legislação local que afeta a infraestrutura de telecomunicações. Esse foi o chamado da Anatel na Carta Aberta às Autoridades Municipais Brasileiras a todas as cidades do Brasil”, diz o comunicado.

“A adoção da tecnologia 5G dependerá da implantação de uma maior quantidade de antenas para possibilitar a cobertura e taxas de transmissão esperadas no uso da tecnologia. Dessa forma, a redução dos custos e a simplificação dos procedimentos administrativos, em linha com as premissas da Lei nº 13.116/2015 e do Decreto 10.480/2020, mostra-se medida relevante para favorecer a disponibilização deste serviço à população. Diante dessa perspectiva, é primordial que os municípios brasileiros estejam com suas legislações atualizadas e harmonizadas à legislação federal sobre o assunto”, completa a nota.

A Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia (Semit), também foi procurada mas não respondeu até o fechamento da reportagem.

Ranking de habitantes por infraestrutura: (por prefeituras-bairro)

Cidade Baixa - 5.264 (crítico)
Subúrbio/Ilhas - 5.075 (crítico)
Liberdade/São Caetano - 4.616 (ruim)
Cajazeiras - 4.208 (ruim)
Pau da Lima - 3.780 (ruim)
Cabula/Tancredo Neves - 3.536 (ruim)
Valéria - 3.344 (ruim)
Itapuã/Ipitanga - 2.016 (ruim)
Centro/Brotas - 1.576 (limítrofe)
Barra/Pituba - 1.272 (limítrofe)


Ranking de domicílios com renda acima de um salário mínimo:

Barra/Pituba - 65,30%
Centro/Brotas - 55,73%
Itapuã/Ipitanga - 44,33%
Pau da Lima - 36,06%
Cabula/Tancredo Neves - 33,66%
Cidade Baixa - 32,49%
Liberdade/São Caetano - 28,95%
Cajazeiras - 28,17%
Valéria - 19,80%
Subúrbio/Ilhas - 19,77%

Ranking de pior qualidade de internet entre capitais brasileiras:

Fortaleza - 2.628 (ruim)
Salvador - 2.582 (ruim)
Rio Branco: 2.508 (ruim)
Macapá - 2.428 (ruim)
São Luís - 2.405 (ruim)
Belém - 2.338 (ruim)
Manaus - 2.285 (ruim)
Boa Vista - 2.256 (ruim)
Teresina - 2.237 (ruim)
São Paulo - 2.187 (ruim)
Porto Velho - 2.132 (ruim)
Aracaju - 2.123 (ruim)
Maceió - 2.073 (ruim)
Recife - 2.048 (ruim)
Belo Horizonte - 1.955 (limítrofe)
Natal - 1.950 (limítrofe)
João Pessoa - 1.855 (limítrofe)
Goiânia - 1.814 (limítrofe)
Palmas - 1.704 (limítrofe)
Campo Grande - 1.688 (limítrofe)
Porto Alegre - 1.648 (limítrofe)
Cuiabá - 1.584 (limítrofe)
Curitiba - 1.535 (limítrofe)
Rio de Janeiro - 1.489 (limítrofe)
Brasília - 1.429 (limítrofe)
Vitória - 1.372 (limítrofe)
Florianópolis - 1.039 (limítrofe)

No mês em que é realizada a campanha “Setembro Amarelo”, dedicada à prevenção ao suicídio, especialistas alertam sobre o mau uso da internet e das redes sociais como forma de potencializar questões emocionais.

Diversos casos são divulgados na mídia sobre jovens que pensam em tirar a própria vida ou acabam cometendo o ato por não saber lidar com as repercussões geradas na web.

Segundo a psicóloga e professora do curso de psicologia da Faculdade Santa Casa, Cristiana Kaipper, a internet é um lugar que promove muita visibilidade, por isso, é importante que os pais estejam atentos ao comportamento dos filhos e tenham vigilância para evitar que eles se coloquem em situações difíceis de serem contornadas.

“Se pessoalmente a pessoa lidava com o julgamento de um grupo pequeno de amigos ou colegas, na internet, o número de pessoas em que se interage se torna exponencial. Para um adulto essas reações já podem ser difíceis de sustentar, imagine para um adolescente que ainda está se estruturando emocionalmente e formando a identidade”, compara.

De acordo com a psicóloga, existem alguns sinais que podem ser observados em pessoas que apresentam o risco para o suicídio.

“Se a pessoa tem sinais depressivos ou o próprio diagnóstico, pode ser um indicativo. É comum que a tendência ao suicídio seja acompanhada de rigidez do pensamento, comportamentos impulsivos e ambivalência. Frequentemente a pessoa comunica que pensa sobre o assunto ou chega a ter comportamentos autodestrutivos, como se machucar, se cortar ou se envolver em atividades que ponham a vida em risco”, pontua.

Segundo Cristiana, algumas doenças como depressão, transtorno bipolar ou transtorno borderline também são indicativos que é preciso ligar o sinal de alerta.

“Estes transtornos em níveis mais graves comumente levam a pessoa a pensar em suicídio ou mesmo a cometê-lo como forma de se livrar da dor emocional”, avisa.

A psicóloga também cita como fator de risco algum problema familiar. “O suicídio também pode refletir uma questão sistêmica familiar. Um trauma que é experimentado transgeracionalmente e não é resolvido pode criar uma tensão no sistema e trazer uma grande carga emocional em um dos membros da família, capaz de gerar algum transtorno ou mesmo levá-la ao suicídio, mesmo que ela, pessoalmente, não tenha experimentado um grande trauma”, observa.

Busca por ajuda

A psicóloga explica que familiares e amigos podem ajudar o indivíduo que apresenta pensamentos suicidas ficando atendo aos sinais e oferecendo ajuda através da escuta e empatia.

“É importante estar atento às necessidades da pessoa e levar em consideração quando ela falar sobre suas dificuldades em lidar com questões da vida ou comunicar pensamentos suicidas. Geralmente a família tem muita dificuldade em lidar com sofrimentos desse tipo, ou desconsidera os pedidos de socorro por interpretar como drama ou tentativa de chamar atenção”, diz.

Buscar auxílio terapêutico também é importante, caso a família perceba que há algum tipo de sofrimento emocional acontecendo ou algum comportamento disfuncional. “Frequentemente as pessoas banalizam o sofrimento emocional que, às vezes, com ajuda profissional poderiam ser resolvidos, manejados ou amenizados”, conclui.

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