Proporção de adolescentes grávidas em Salvador dobra em cinco anos
Dados de uma pesquisa divulgada na quarta-feira (13) revelam um cenário preocupante sobre a forma com que os jovens da capital baiana estão se relacionando. Em cinco anos, a proporção de estudantes entre 13 e 17 anos que engravidaram mais do que dobrou em Salvador, passando de 6,2% para 17,3%. Enquanto isso, a quantidade de jovens que dizem usar camisinha e outros métodos contraceptivos vem diminuindo desde a última década.
Os números são resultado da Análise dos Indicadores Comparáveis da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa foi feita em quatro anos diferentes: 2009, 2012, 2015 e 2019. Com o aumento registrado entre meninas do 9º ano que engravidaram, entre 2015 e 2019, Salvador passou a ocupar o topo do ranking das capitais nesse indicador, empatada com Maceió (AL). Em 2015, a capital baiana estava em 18º lugar.
Para o ginecologista Alexandre Amaral, alguns fatores podem explicar o resultado dos indicadores. “Isso provavelmente aconteceu pela falta de acesso à informações precisas e pela falta de educação sexual nas escolas e nas famílias. Falar sobre sexo ainda é um tabu”, diz. O médico explica ainda que apesar de existir mal entendido sobre a educação sexual, ela é extremamente necessária, inclusive para evitar abusos.
“O papel da educação sexual não é vulgarizar o sexo, mas levar informações de qualidade para que os jovens entendam a importância de falar sobre assuntos que envolvem a sexualidade [...] É necessário que sejam feitas políticas públicas nesse sentido para quebrar tabus e os jovens passarem a se proteger mais”, acrescenta Alexandre Amaral.
A estudante Emilly Silva tem 17 anos, cursa o primeiro ano do ensino médio e está a poucos dias de dar à luz ao primeiro filho, que vai se chamar Davi. Ela conta que a vida mudou muito nos últimos meses e que agora precisa arcar com responsabilidades inimagináveis menos de um ano atrás. “Tive que abrir mão de muitas coisas que poderia fazer na minha idade por conta da gravidez não planejada. Foi um susto muito grande, mas graças a Deus tenho apoio da minha família e da família do meu namorado”, diz.
Acostumada a compartilhar seu dia a dia nas redes sociais, a futura mamãe, que vive em Salvador, resolveu mostrar para os seus seguidores como é o cotidiano de uma mulher que enfrenta uma gestação cedo.
“Sempre gravei stories e interagi com os seguidores. Quando engravidei, achei que perderia meu público, mas pelo contrário. Ele só vem aumentando, são muitas meninas passando pela mesma situação, outras pedindo conselhos, ajudas…Eu gosto muito disso tudo, me sinto feliz em poder ajudar”, afirma. Emilly conta que a ansiedade tem estado mais forte na reta final da gravidez e que o apoio do namorado, que passou a morar com ela, conta muito nessas horas.
Menos proteção
A pesquisa divulgada pelo IBGE indica ainda que entre 2009 e 2019, enquanto a proporção de estudantes do 9º ano que já haviam tido relação sexual aumentou de 35,8% para 38,8%, a quantidade de jovens que usaram métodos para não engravidar caiu. Os que dizem usar camisinha diminuíram de 69,6% para 54,9% em dez anos.
“Hoje em dia os adolescentes acabam sendo mais permissivos com relação à relação sexual evitando a prevenção, o que pode vir a gerar não só a gestação indesejada, mas também a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis”, afirma Alexandre Amaral.
A baiana Victória Emili Lopes, 21, engravidou da pequena Alice quando tinha 17 anos, ainda em 2018. Ela conta que a maior dificuldade que encontrou durante a gestação foi a aceitação de uma parte da família, que ficou descontente pela jovem ter engravidado cedo.
“Sofri muito julgamento das pessoas por ter engravidado na adolescência. Na época eu estava terminando os estudos e fiquei ainda estudando grávida”, relembra.
Apesar de todos os entraves, Victória foi adiante na gestação e contou com o pai da filha, que sempre esteve presente. “O pai dela sempre esteve muito presente na gestação e até hoje”, diz. Essa, infelizmente, não é a realidade para muitas jovens, que acabam tendo que criar os filhos como mães solo.
Para a psicopedagoga Fernanda Pedreira, é muito importante que as famílias estudem sobre educação sexual para que possam passar o conhecimento para os filhos. “Ao contrário do que muitos pensam, a educação sexual não vai ensinar as crianças e adolescentes a praticarem o ato e sim a terem consciência de como começa, as consequências e a descoberta do próprio corpo”, afirma.
A própria Fernanda engravidou aos 14 anos, em 1994, na cidade de Mairi, no centro-norte do estado. Ela lembra que passou por muitos entraves emocionais enquanto gerava a filha e depois de dar à luz. “Enfrentei preconceito, afastamento de amigas e amamentar não foi fácil. Como minha filha nasceu prematura, as dificuldades foram maiores pois eram poucos recursos para saber lidar com prematuros”, relembra.
A filha de Fernanda nasceu com apenas 2,2 quilos, sendo que o ideal é que bebês saudáveis venham ao mundo pesando entre 3 e 3,5 quilos. Como a recém-nascida não conseguia sugar, a mãe com então 14 anos precisava tirar o leite com auxílio de uma bomba e alimentar a pequena com um copo. Cinco anos após a primeira gravidez, Fernanda ficou grávida de novo, do seu filho mais velho.
“No início [da primeira gravidez] foi aquele susto para todos, mas tive todo apoio dos meus pais e familiares. Meu esposo se fez e é presente até hoje, temos 26 anos de casados e mais um filho”, conta. Hoje Fernanda é mãe de uma advogada e um empreendedor e tem orgulho da família que construiu.
Maria (nome fictício), que engravidou aos 16 anos em 2014, também relata que a notícia da gestação não planejada pegou todos ao seu redor de surpresa. O fato de ter que continuar frequentando a escola enquanto a barriga crescia também foi marcante para ela. “Eu estava no segundo ano do ensino médio e iria para o terceiro. Meu filho nasceu em novembro, então foi praticamente todo o ano letivo indo para a escola grávida”, relembra.