Flipelô começa nesta quarta (17) no Pelourinho
As festas literárias se caracterizam por promover encontros entre os amantes da literatura e de diversas artes. Não se restringem às mesas literárias ou à venda de livros. Por isso, precisa-se celebrar a volta da Flipelô - Festa Literária do Pelourinho, que começa nesta quarta (17) e vai até domingo, com praticamente todas as atividades gratuitas. O evento, que ganhou edição virtual no ano passado, volta a ser realizado presencialmente.
Além das tradicionais mesas que reúnem os autores, há exibição de peças de teatro, apresentações musicais, atrações gastronômicas, cinema... tudo no Centro Histórico. Entre as participações mais aguardadas, está a de Itamar Vieira Júnior, autor de Torto Arado, que vendeu mais de cem mil exemplares e venceu prêmios importantes como o Jabuti e o Oceanos.
A Flipelô é realizada pela Fundação Casa de Jorge Amado e, por isso, sempre escolhe um homenageado que tenha ligação com o autor que levou a Bahia para o mundo, através de clássicos como Capitães da Areia e Jubiabá. Desta vez, o escolhido é o alagoano Graciliano Ramos (1892-1953), autor de obras-primas como Vidas Secas e São Bernardo.
"Graciliano escreveu apenas quatro romances, que são conceituados como de altíssima importância, sobretudo Vidas Secas. Ele é o escritor da concisão, o escritor que pensa a palavra não para enfeitar, mas para dizer", diz José Inácio Vieira de Melo, poeta e curador da Flipelô desde a primeira edição, em 2017.
Nesta conversa com o CORREIO, José Inácio fala sobre o seu trabalho de curadoria e sua experiência na função também em quatro edições da Bienal do Livro da Bahia. O poeta não economiza elogios a Itamar Vieira Júnior, que, para ele é autor de um clássico, Torto Arado. "O livro dá conta do Brasil desde que surgiu até hoje, apresentando nossos problemas".
O que é uma festa literária e em que ela se distingue de outros eventos literários, como bienais e feiras do livro?
Festa literária é uma nomenclatura, que tanto poderia ser festa, como festival, como feira... e a Bienal do Livro, que não acontece mais [na Bahia, foi até 2013]? A Bienal era tudo isso, até porque era anual e se chamava Feira do Livro. Mas festival ou festa trazem um ânimo. É para festejar, mas festejar o que? Festejar as letras. A Bienal levava as grandes editoras e trazia as celebridades. A empresa que realizava a Bienal aqui levava os mesmos autores para as diversas bienais que ela realizava, em MG, RJ... eram os mesmos nomes e abria-se um pequeno espaço para autores locais. Outra coisa: não pagavam aos autores. Quem bancava a participação de autores como João Ubaldo Ribeiro, Ignácio de Loyola Brandão, Marina Colassanti, eram as editoras. Os autores locais não recebiam nada. A ideia era de que o autor tinha uma oportunidade de colocar o nome dele numa vitrine, como se o autor não tivesse conta para pagar, não tivesse família...
As festas literárias acontecem em cidades do interior e cidades históricos, como Parati, que é a primeira.
Por que não é no Rio de Janeiro [capital]? Porque ali ficam todos circulando, o povo e os autores. E a partir desses encontros de autores com autores de outras regiões ou países, surgem obras primas. É uma festa mesmo. O diferencial da Festa para a vitrine que são as bienais é o aconchego, a intimidade, é trazer o autor para perto. É a celebração do autor e da obra.
Qual a importância de Graciliano Ramos, homenageado desta edição?
A Flipelô tem o hábito de homenagear celebridades ligadas a Jorge Amado, porque a festa é realizada pela Fundação Casa de Jorge Amado. Já foram homenageados Zélia Gattai, João Ubaldo Ribeiro, Castro Alves, que Jorge Amado adorava. E agora, o homenageado é Graciliano Ramos, por quem ele tinha imensa admiração e passou a fazer parte da família, porque James Amado, irmão de Jorge, casou com a filha de Graciliano, unindo as famílias. Além disso, a importância da obra de Graciliano. Jorge, ainda jovem, viajou a Alagoas para conhecer aquele cara que fez um relatório para o Governo do estado de AL, que despertou interessado de toda a mídia. Estavam começando José Lins do Rêgo, Jorge de Lima, Rachel de Queirós e outros. Eram todos mais jovens que ele e começaram a chamá-lo de Mestre Graça. Todos esses autores tiveram uma vasta obra, mas Graciliano escreveu apenas quatro romances, que são conceituados como de altíssima importância, sobretudo Vidas Secas, que teve tradução para o mundo inteiro. Ele é o escritor da concisão, o escritor que pensa a palavra não para enfeitar, mas para dizer.
Como funciona o trabalho de curadoria no seu caso?
Faço a curadoria da Flipelô desde que surgiu. Participei da gênese da Flipelô, ao lado de Myriam Fraga, então diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado. Ângela [Fraga, atual diretora da Fundação] me disse que teríamos uma comissão de curadoria para a Flipelô, composta por ela própria, Bete Capinan e por mim. Sempre as consulto, mas o trabalho de escolha é meu, com sugestões delas. 90% cabe a mim.
A diversidade em eventos culturais é essencial. Como a curadoria dá conta disso?
A diversidade é fundamental, se não, não tem sentido. Não existe isso de botar o que eu gosto. O gosto sai de cena. A gente precisa ficar atento ao que está acontecendo no momento. Dia 20 é Dia da Consciência Negra e não podemos fazer de conta que não acontece. Procuramos novas vozes, vozes já consagradas e damos espaço à mulher, porque a literatura é um ambiente machista.
Os povos originários, a gente fazia de conta que não existia. Mas está mudando, tanto que Daniel Munduruku concorre a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
Como os autores costumam reagir quando são convidados para a Flipelô? São receptivos ao convite?
Sou convidado para eventos fora do país e conheço autores importantes em seu país, mas não são conhecidos aqui. Quando chego lá, faço convite para os eventos de que faço curadoria. Quando o convite é feito, as pessoas ficam maravilhadas. Ainda mais, sendo remunerado! Todos recebem [remuneração]. Jamais alguém recusou o convite. Apenas por questão de saúde. Teve uma que me disse chorando que não poderia vir porque para ela, era uma pena não poder conhecer a terra de Jorge Amado.
Você circula por eventos literários internacionais. O que os autores estrangeiros pensam de Jorge Amado?
Os estrangeiros têm encantamento por Jorge Amado. Como nós temos por Gabriel Garcia Márquez, que nos mostra um mundo extraordinário. Jorge Amado tem, para um colombiano, a mesma dimensão que Garcia Marquez tem pra gente. Eu fui para o México representando o Brasil num grande evento. Quando dizia que era da Bahia, pensavam logo em Jorge Amado. Mas o Brasil era também lembrado, por incrível que pareça, por Lêdo Ivo [poeta alagoano], incrivelmente conhecido no meio literário do México. Nem aqui no Brasil, ele tem esse reconhecimento.
Um dos autores mais esperados da edição deste ano é Itamar Vieira Júnior. Qual sua opinião sobre ele como autor e sobre Torto Arado?
Itamar escreveu um clássico, uma obra-prima. Não há como não se render. Estava conversando com [o poeta] Luiz Antônio Cajazeira Ramos e falávamos de Itamar. O conhecemos no mesmo dia, numa festa literária - olha aí a importância da festa literária. Como o mediador da mesa onde eu estava, demorou, fomos conversar. Itamar era um sujeito tímido, simples, duma bondade... já tinha ganhado o Prêmio Leya, em Portugal. Liguei pra Itamar e disse "Você escreveu um clássico" e previ que ganharia o Jabuti e o Oceanos. O cinema quer comprar, a TV quer comprar... Itamar não é de fazer marketing, como eu. É funcionário público, tímido, mas a obra se sustenta por si própria.
Pode colocar em pé de igualdade a Vidas Secas. Dá conta do Brasil desde que surgiu até hoje, apresentando nossos problemas.