Com mais de 2 bilhões de usuários no mundo inteiro e presente em mais de 180 países, o WhatsApp está disponível em 60 idiomas diferentes e é hoje o aplicativo mais popular do planeta. Mas vem causando polêmica e perdendo usuários para outros aplicativos semelhantes.
É que nos últimos dias, algumas pessoas estão recebendo a seguinte mensagem em seus smartphones: “O WhatsApp atualizará suas condições e sua política de privacidade”. A mudança, que começa a valer no dia 8 de fevereiro, impõe que quem deseja continuar utilizando o app vai precisar dar o seu consentimento ao Facebook, dono do aplicativo de mensagens, para compartilhar e utilizar os dados obtidos do WhatsApp no restante de seus serviços e propósitos.
Em sua plataforma, o WhatsApp detalha a gama de informações que podem ser disponibilizadas a outras empresas do grupo: número de telefone e outros dados que constem no registro (como o nome); informações sobre o telefone, incluindo a marca, modelo e a empresa de telefonia móvel; o número de IP, que indica a localização da conexão à internet; qualquer pagamento ou transação financeira realizada através do WhatsApp.
Também podem ser compartilhados números de contatos, atualizações de status, dados sobre a atividade do usuário no aplicativo (como tempo de uso ou o momento em que ele está online), foto de perfil, entre outros.
O WhatsApp já havia anunciado essas mudanças em outubro do ano passado, mas até então ninguém era obrigado a compartilhar os dados, era apenas voluntário. Agora, quem não concordar com a mudança, conforme a notificação enviada pela plataforma, é convidado a apagar o app e desativar a conta.
O CEO do WhatsApp, Will Cathcart, se pronunciou sobre o assunto através do seu perfil no Twitter, no dia 8 de janeiro. Na postagem, ele disse que “Com a criptografia de ponta a ponta, não podemos ver seus chats ou chamadas privadas e nem o Facebook. Estamos comprometidos com essa tecnologia e em defendê-la globalmente. [...] Isso não afeta a forma como as pessoas se comunicam em particular com amigos ou familiares, onde quer que estejam”.
Na análise da advogada especialista em Direito Digital, Ana Paula de Moraes, todos os dados e informações do usuário passarão a ser compartilhadas com o Facebook. “Há muito tempo nossos dados já são compartilhados com todas as nossas redes sociais, porque os nossos dados pagam as contas deles. Não existe almoço grátis. Eles nos dão uma ferramenta gratuita e a gente paga com nossas informações. Mas, diante das legislações regulatórias protetivas de dados que surgiram principalmente na Europa e também no Brasil, eles não podem mais fazer uso desses dados sem ter o consentimento do titular, que é o usuário. Então, na medida que o Facebook se torna dono do Instagram e do WhatsApp, obviamente ele vai querer fazer a convergência e coleta de todas as informações para fins comerciais”, explica.
Segundo ela, a atitude do WhatsApp vai de encontro à Lei Geral de Proteção de Dados e quem utiliza o aplicativo para fins comerciais deve ficar ainda mais atento.
“Se você faz vendas pelo WhatsApp e tem algum tipo de pagamento embutido por ali, esses dados também serão compartilhados. É uma falha de segurança absurda porque, se você tem um cartão de crédito ali inserido, o Facebook vai passar a coletar aquela informação e compartilhar com quem ele acha que vai pagar por esses dados, digamos assim”, alerta Ana Paula.
Nem todo mundo
A União Europeia e o Reino Unido, contudo, ficam de fora das mudanças. Devido a acordos firmados com organizações de proteção de dados da região, a empresa não vai impor o compartilhamento de informações. O fato foi interpretado por alguns como uma vitória da rígida legislação sobre privacidade e proteção de dados pessoais que a região vem implementando nos últimos anos.
Na Europa, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) impede o Facebook de compartilhar os dados do WhatsApp com suas outras empresas para seu próprio interesse. Enquanto nos países que fazem parte da União Europeia os serviços são prestados pela WhatsApp Ireland Limited, no restante do mundo estão a cargo da WhatsApp LLC.
O CORREIO entrou em contato com a assessoria do WhatsApp, que confirmou que “como informado no aviso encaminhado aos usuários, a aceitação das mudanças é obrigatória para a utilização da plataforma a partir de 8 de fevereiro”. Em nota, o aplicativo informou que a mudança se deve ao uso cada vez mais frequente da plataforma para comunicação com empresas.
O aplicativo alega que o objetivo do WhatsApp é proporcionar aos usuários mais facilidade tanto para comprar, como para conseguir suporte de uma empresa, diretamente na plataforma. “Para aumentar a transparência, o WhatsApp atualizou suas Políticas de Privacidade para que descrevam que, daqui para a frente, as empresas podem optar pelos serviços seguros de hospedagem do Facebook para ajudar no gerenciamento das comunicações com seus clientes no WhatsApp”, diz a nota.
De fato, em nenhum caso as conversas do WhatsApp serão compartilhadas porque a empresa não pode ler as mensagens do aplicativo, já que ele funciona com criptografia de ponta a ponta. Isso significa que, quando um usuário envia uma mensagem, ela é criptografada e somente será descriptografada quando chegar ao destinatário.
Concordo ou não concordo?
Para a chefe de cozinha Kátia Najara, de 50 anos, que utiliza a ferramenta para trabalho, é preciso estar bastante atento às políticas dos aplicativos e saber a hora de dizer ‘não concordo’. “Eu topei compartilhar o que eu publico nas minhas redes sociais. Sei que aquele conteúdo pode ser utilizado e pode ser vendido de alguma forma. Eu sei porque, quando faço qualquer busca no Google, na mesma hora eu começo a receber propaganda de conteúdos relacionados em todos os aplicativos, plataformas, etc. Mas agora já chega, basta”, diz.
Ela afirma que nunca fornece seu CPF quando vai ao supermercado, por exemplo, e não ativa a localização do seu celular. “Eu sempre fui muito cismada com todas as redes sociais. Eu demorei muito para entrar no Facebook, para entrar no Instagram. Justamente porque eu sempre soube que ninguém estava me dando nada de graça. Eu sabia que o preço ia chegar. E as coisas são muito bem feitas, para que a maioria das pessoas não percebam ou não achem nada demais”, explica Kátia.
Agora, ao saber da mudança na política do WhatsApp, a chefe de cozinha decidiu abandonar o aplicativo. “Não satisfeitos em vender todas as informações que eu publico nas minhas redes sociais, agora eles querem entrar no meu telefone. Qual é o próximo lugar, a minha gaveta de calcinhas?”, desabafa. Kátia disse que já baixou o Telegram, outro serviço de mensagens instantâneas, e já enviou um texto para todos os seus contatos no WhatsApp comunicando a sua decisão.
“O que eu puder fazer para preservar a minha privacidade eu faço”, afirma. Ela acrescenta que não se deixa iludir. Sabe que o Telegram e outros aplicativos podem não ser 100% seguros, mas, para ela, é a melhor opção agora. Mesmo que os aplicativos possam, no futuro, adotar as mesmas medidas que o WhatsApp está adotando, ela garante que não vai ter arrependimento e terá a consciência tranquila por saber que tentou. “Para mim, até o momento, o Telegram ainda garante segurança e privacidade, eu sei que nada garante que amanhã as coisas não possam mudar”.
A artista visual Aline Corujas, 27, compara as diversas mudanças de termos a documentos assinados sem se saber o que eles conté,de fato. "Acho delicado o contexto dessas alterações nas políticas de compartilhamento do WhatsApp. Acredito que muitas pessoas, assim como eu, há tempos vêm concordando com termos (uso e privacidade) quase sempre escritos em letras pequenas. Muitas vezes, sem sequer ler. É como ter vários documentos assinados sem saber com o que, de fato, estamos compactuando".
Para ela, a atenção que essa mudança atual vem tendo a sinalizou que é uma situação que merece um cuidado maior. "Essas mudanças podem ter grande impacto. Estou me inteirando do assunto pra entender melhor qual a implicação que essas alterações exercerão na minha rotina", afirma.
Alternativas
Mesmo com a tentativa do WhatsApp de acalmar os ânimos, a medida gerou uma onda de críticas e provocações. O empresário Elon Musk, CEO da Tesla e homem mais rico do mundo, sugeriu a migração para o concorrente Signal, assim como Jack Dorsey, cofundador do Twitter. Outros propuseram o Telegram.
O Signal aproveitou a oportunidade para destacar no Twitter que “nunca haverá anúncios no Signal, porque seus dados ficam em suas mãos, não nas nossas”.
Após o anúncio, o número de downloads do app Signal e do Telegram, também serviços de trocas de mensagens encriptadas, disparou. Hoje (11) o Signal, com cerca de 10 milhões de downloads, está em segundo lugar na categoria “Principais apps gratuitos” da Play Store. O Telegram, com 500 milhões, ocupa o quarto lugar. O WhatsApp ainda tem mais de 5 bilhões de downloads.
Foto: Reprodução |
Para a especialista em segurança digital, Ana Paula Moraes, o Signal e o Telegram são, de fato, mais seguros, já que deixam bastante explícito que não fazem a coleta de informações dos usuários e, através deles, é possível ajustar as configurações para que a destruição das mensagens seja imediata após o envio.
Para quem decidir continuar no WhatsApp, ela alerta que é preciso ter alguns cuidados:
- Nada de falar da vida pessoal
- Evitar compartilhamento de fotos e vídeos com imagens de familiares e amigos
- Configurar o aplicativo para ter a mínima quantidade possível de permissões habilitadas
Para aqueles que não se sentirem mais à vontade para continuar utilizando o WhatsApp, aqui vão algumas alternativas:
- Signal - Signal é um serviço de mensagens criptografadas de plataforma cruzada desenvolvido pela Signal Foundation e Signal Messenger. Ele usa a Internet para enviar mensagens individuais e em grupo, que podem incluir arquivos, notas de voz, imagens e vídeos.
- Telegram - O Telegram é um serviço de mensagens instantâneas baseado na nuvem. O Telegram está disponível para smartphones ou tablets, computadores e também como Aplicação web. Os usuários podem fazer chamadas com vídeo, enviar mensagens e trocar fotos, vídeos, autocolantes e arquivos de qualquer tipo.
- Viber - Rakuten Viber é um aplicativo de multiplataforma proprietária no formato de mensageiro instantâneo voz sobre IP desenvolvido pela Viber Media, Inc. Além de mensagens de texto e voz, os usuários também podem enviar imagens e vídeos.
- Kik - Kik Messenger, comumente chamado de Kik, é um aplicativo gratuito de mensagens instantâneas para celular da empresa canadense Kik Interactive, disponível gratuitamente nos sistemas operacionais iOS e Android.
- Threema - Threema é um aplicativo de mensagens instantâneas criptografadas de ponta a ponta, gratuito e de código aberto para iOS e Android. O software é baseado nos princípios de privacidade desde o design, uma vez que não requer um número de telefone ou qualquer outra informação de identificação pessoal.
- Wickr.Me - Wickr é um aplicativo para Android e iPhone designado para ajudar pessoas no envio de mensagens, incluindo fotos e anexos, que são automaticamente deletados a partir de um certo tempo.
Polêmicas
Em 2014, o Facebook comprou o WhatsApp por cerca de 16 bilhões de dólares. Agora, sete anos depois, o aplicativo de mensagens vai compartilhar os dados de alguns usuários do WhatsApp com o Facebook.
O WhatsApp foi fundado em 2009 por Brian Acton e Jan Koum, antigos empregados da Yahoo!. O aplicativo foi lançado em novembro de 2009. Em 2011, o WhatsApp era um dos 20 aplicativos no topo da loja de aplicativos da Apple, e passou a receber diversos investimentos de valores altíssimos
Em fevereiro de 2015, o WhatsApp foi suspenso temporariamente em todo o Brasil. A decisão foi tomada depois que o aplicativo se recusou a dar informações sobre um inquérito policial que investigava um crime de pedofilia ocorrido em Teresina. Mas a decisão logo foi derrubada.
Em 16 de dezembro de 2015, uma nova ordem judicial determinou o bloqueio do aplicativo por um período de 48 horas. Informações precisas não foram divulgadas, mas as operadoras estimam que se trate de uma investigação policial. O bloqueio está relacionado a uma possível quebra de sigilo de dados. No dia seguinte, uma nova decisão judicial considerou que a suspensão do serviço não seria algo razoável e o serviço foi restabelecido 12 horas após o bloqueio.
Em 2 de maio de 2016, o aplicativo volta a ser suspenso no país, com base nos artigos 11, 12, 13 e 14 do Marco Civil da Internet por até 72 horas.
Em 19 de julho de 2016, mais um episódio. WhatsApp voltou a ser suspenso por decisão da Justiça do Rio de Janeiro, também baseado no Marco Civil da Internet. No mesmo o dia, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão do bloqueio, liberando o uso do aplicativo no país.
*Com orientação da subeditora Monique Lôbo