Receber ligações ou mensagens com pedidos de ajuda financeira de conhecidos ou familiares; passar dias negociando a compra de algum item e só perceber, após o pagamento, que tudo não passava de golpe. O estelionato vem crescendo no Brasil. Somente na Bahia, nos últimos cinco anos, as ocorrências aumentaram 91%. Foram 16.589 crimes do tipo em 2018, contra 31.784 no ano passado, informa o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que utiliza as informações das secretarias estaduais para compilar os dados.

De acordo com o levantamento, a taxa de estelionato para cada 100 mil habitantes na Bahia é de 212. No ranking nacional, o estado apresenta a terceira menor taxa do Brasil. O Distrito Federal é o local onde mais ocorreram esses crimes, proporcionalmente: 1.309 casos para cada 100 mil pessoas.

Há alguns anos, as vítimas preferidas dos golpistas eram pessoas idosas como o avô de Caio Souza, 30 anos, que caiu em uma cilada por telefone e perdeu R$ 7 mil para um estelionatário. Mas, ultimamente, é pela internet que os criminosos mais vêm agindo. Os esquemas ficam mais elaborados graças à tecnologia, que engana mesmo quem entende do ramo, como o engenheiro de software Ivan Cezanne, 29. Ele achou que estava comprando a televisão de um amigo pelo Instagram, mas na realidade o perfil na rede social havia sido invadido.

O estelionato é previsto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro e acontece quando o criminoso engana a vítima para obter algum tipo de vantagem, explica o advogado criminalista Marcelo Duarte. “O crime de estelionato consiste em se obter vantagem para si ou para outro através de algum meio fraudulento por meio da indução ao erro. E aí existem muitos exemplos, golpe do pix e do boleto falso, venda de criptomoedas ou de prestação de serviços falsos”, afirma o especialista.

Entre 2018 e 2021, o registro de estelionato por meio eletrônico no Brasil aumentou quase sete vezes, atingindo a marca de 60,5 mil ocorrências, ainda de acordo com as informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Não há dados da Bahia sobre fraude eletrônica, mas o delegado Delmar Bittencourt, coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética da Polícia Civil, garante que o crime também cresceu por aqui.

“Ainda não temos como aferir com precisão os números de golpes, mas podemos assegurar que após a pandemia houve um aumento significativo em relação aos golpes virtuais”, afirma.

Vítimas
Os golpistas costumam se aproveitar da inocência e do fator surpresa para enganar as vítimas, que muitas vezes poderiam não cair no golpe com uma simples ligação de checagem para o suposto familiar em apuros.

“Alô, Vô! Sofri um acidente de moto e preciso de dinheiro agora”, disse o golpista que ligou para o avô de Caio Souza, citado no começo da reportagem. Preocupado com o neto, o idoso realizou uma transferência de R$ 7 mil para o bandido.

“Se meu avô tivesse me ligado na hora que fizeram a chamada para ele, eu provavelmente teria atendido e falaria para ele não depositar nenhum dinheiro. Mas na hora ele ficou tão preocupado que fez tudo sozinho, sem avisar ninguém”, relembra Caio sobre o golpe sofrido pelo avô em 2016.

Já Ivan Cezanne conta que ficou dois dias negociando com o golpista a TV que ele achava que era de seu amigo. O bandido que invadiu a conta do amigo de Ivan havia postado nos stories que o dono do perfil [o amigo do engenheiro] estava de mudança e por isso precisava vender alguns eletrodomésticos.

“Quando a gente já tinha acertado tudo, eu falei que iria mandar o comprovante do pix pelo WhatsApp [do amigo] e não responderam nada [no perfil do Instagram, onde a negociação ocorria]. Quando eu mandei, meu amigo me ligou perguntando o que era aquilo”, relembra Ivan. Foi quando o engenheiro percebeu que havia caído no golpe.

O valor depositado pela televisão foi metade do combinado, uma quantia de R$ 800. Ao perceber o que havia acontecido, Ivan registrou um boletim de ocorrência e conseguiu receber R$ 670 de volta do banco digital pelo qual realizou o pix. O caso aconteceu em setembro do ano passado. “Depois disso, nunca mais comprei nada pelo Instagram”, acrescenta.

Redes invadidas
O engenheiro de software não foi o único a cair no golpe nessa história. O colega que teve a conta do Instagram invadida também foi vítima de uma das artimanhas mais comuns nesse tipo de crime: a invasão do seu perfil pessoal nas redes sociais.

“A pessoa perde o controle da conta através de uma engenharia social na qual o atacante induz a vítima a clicar em um link ou fornecer um código recebido através de SMS para o telefone da vítima. Assim, o falsário assume o controle do perfil e passa a oferecer produtos com valor abaixo do mercado, informando que vai viajar e precisa se desfazer de eletrodomésticos”, explica o delegado Delmar Bittencourt.

Por isso, é importante que as pessoas fiquem atentas e não cliquem em qualquer link enviado. Configurar o aparelho celular para ter verificação em duas etapas também é uma alternativa que garante mais segurança ao usuário.

“Antes de transferir qualquer quantia, é muito importante ligar para a pessoa e confirmar se é realmente ela que está pedindo”, reforça o advogado Marcelo Duarte.
Em maio do ano passado, entrou em vigor a lei que aumentou a punição para quem cometer fraude eletrônica. Nesse crime, a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento. A pena de reclusão é de quatro a oito anos. Enquanto por estelionato tradicional, a sentença é de um a cinco anos de prisão.

Escalada de crimes
Um dos crimes mais comuns, cita o delegado Delmar Bittencourt, é o golpe do pix via WhatsApp. Nele, os falsários se utilizam da foto do perfil de um conhecido da vítima e em seguida começam a pedir uma transferência bancária com urgência. Foi assim que uma mulher perdeu cerca de R$ 40 mil este ano em Salvador. Quem conta a história é uma parente da vítima, uma professora que preferiu não se identificar.

“Ela recebeu mensagens de um celular que se passava por uma outra pessoa da família, dizendo que era um novo número. Ela ficou muito preocupada e conseguiu mobilizar R$ 40 mil, uma quantia que nem poderia gastar”, lembra a professora. A mulher que caiu no golpe realizou uma série de transferências via pix e um depósito que foi estornado.

Além dos crimes por Instagram e WhatsApp, o advogado criminalista Marcelo Duarte lembra que existem outros mais elaborados, como investimentos falsos, criptomoedas e sites e perfis fakes, que ganharam força durante a pandemia. “Muita gente quebrou na pandemia e os estelionatários surgem nesses momentos de fragilidade financeira, em que as pessoas estão precisando de dinheiro”, diz.

A enfermeira Carla Taiane de Souza, 30, foi outra baiana que caiu em golpes na internet. Ela procurou o perfil de um banco digital no Instagram quanto teve dificuldades para desbloquear um cartão de crédito, em julho de 2019. Carla acreditou que estava resolvendo o problema conversando com um atendente através das mensagens privadas e acabou dando todos os dados do cartão, inclusive o código de verificação de três dígitos.

"Na inocência, eu acabei passando os dados, mas logo depois me toquei que tinha caído numa enrascada. Quando eu entrei no aplicativo do banco vi que eles fizeram compras de mais de R$ 1 mil", relembra. A enfermeira não conseguiu recuperar o dinheiro roubado e precisou parcelar a compra para não adquirir dívidas.

Dicas para não cair em golpes na internet:
1. Configure aplicativos com verificação em duas etapas;
2. Desconfie de mensagens com erros ortográficos ou gramaticais;
3. Não clique em links desconhecidos;
4. Em caso de ligações suspeitas, não transfira nenhum valor antes de confirmar a informação recebida ligando para o amigo ou familiar que supostamente está pedindo dinheiro no app;
5. Não tenha pressa para transferir dinheiro, investigue primeiro a veracidade da informação;
6. Desconfie de promoções em resorts, hotéis, restaurantes, festas ou sites de compras com valores muito abaixo dos praticados no mercado

Publicado em Polícia