Cidade da Música da Bahia mostra história do samba ao rap
A Bahia tem talentos musicais pra todos os gostos: na MPB, Gil e Caetano; no samba, Batatinha e Riachão; no rock, Pitty e Raul Seixas; no axé, Ivete e Daniela; na música romântica, Pablo do Arrocha; no ijexá, o Filhos de Gandhy; na bossa, João Gilberto... com tanta diversidade, já era hora de registrar a história da música produzida aqui. E finalmente, isso foi feito: foi inaugurada ontem, em cerimônia para convidados, a Cidade da Música da Bahia, que receberá visitantes a partir de hoje.
A sede é o histórico Casarão dos Azulejos Azuis , no Comércio. O prédio, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), foi recuperado especialmente para sediar a Cidade da Música, que documenta, em mais de mil horas de registros audiovisuais, a relação da Bahia com os mais diversos ritmos.
Totalmente recuperado para abrigar a Cidade da Música da Bahia, inaugurada ontem, o Casarão dos Azulejos Azuis, no Comércio, foi tombado em 30 de julho de 1969 pelo Iphan
Idealizado na gestão do prefeito ACM Neto, o espaço tem curadoria e concepção do antropólogo Antônio Risério e do artista Gringo Cardia, que é também responsável pelo design e cenografia. Neto e Gringo Cardia estavam ontem na inauguração, junto com o prefeito Bruno Reis, o Secretário de Cultura e Turismo de Salvador e o vereador Geraldo Júnior, presidente da Câmara Municipal.
Mas a Cidade da Música não se limita a ser um museu, já que é também um centro de entretenimento, onde o visitante pode participar de um karaokê, gravar um videoclipe ou fazer suas rimas sobre uma base de rap. Será também um centro de produção e fomento à música, com um estúdio de gravação que vai receber o projeto Novos Talentos, em que quatro jovens artistas todo mês serão selecionados por uma curadoria e gravarão uma música e um clipe cada um. O produtor André T será um dos responsáveis pelo Novos Talentos.
O cenógrafo Gringo Cardia no ambiente que remete à Tropicália, com ampliações da pintura modernista de Genaro de Carvalho (1926-1971). Gringo assina a curadoria com o antropólogo Antônio Risério
O prefeito Bruno Reis ressaltou a importância do espaço: "Vamos manter o turista mais tempo em Salvador, movimentando a economia, gerando emprego e renda para nosso povo. Sem dúvida, o setor de cultura e eventos foi um dos mais afetados pela pandemia. Os grandes artistas e empresários conseguiram fazer lives ou publicidade, mas falo dos pequenos, uma classe tão importante e a quem devemos tanto".
O prefeito acrescentou que a Cidade da Música, além de homenagear os artistas, reverencia os que estão nos bastidores da música: "A técnica, a produção, a alimentação, vestuário... A Cidade da Música da Bahia é de todos vocês e todos nós".
O ex-prefeito ACM Neto ressaltou que o novo equipamento tem uma visão democrática: "Os grandes músicos, que conseguem notoriedade, esses já têm sua história contada. A mídia eletrônica ajuda a contar quem são essas pessoas. Mas existem os anônimos que estão nos guetos da nossa cidade, mas que são essenciais para que tudo dê certo".
O ex-prefeito ACM Neto; Fábio Mota, secretário de Turismo e Cultura de Salvador e Bruno Reis, atual prefeito estiveram na cerimônia de abertura da Cidade da Música
Gringo Cardia explica reconhece que o museu "tradicional", de objetos é importante, mas acredita que esse formato mais moderno, com destaque para o audiovisual funciona bem para atrair os mais jovens: "Os museus estão passando por uma transição porque a linguagem deles não atinge as gerações mais novas, que falam o tempo inteiro com o audiovisual. Para eles, a interatividade é muito importante".
Por isso, o novo museu tem sala para dançar e espaços para se divertir. "Mas tudo isso contribui para que as pessoas aprendam também. Não adianta fazer a visita a um espaço onde a pessoa não se identifique e esqueça tudo no dia seguinte. Hoje, o aprendizado é muito emocional", defende Gringo, que, em Salvador, participou da concepção da Casa do Rio Vermelho - dedicada a Jorge Amado e Zélia Gattai, no imóvel onde moraram, no Rio Vermelho - e da Casa do Carnaval, no Centro Histórico.
Para aderir à interatividade, o visitante cadastra seu celular na entrada através de um QR Code e assim poderá fazer algumas escolhas, como quais vídeos quer assistir. Isso é possível, por exemplo, no primeiro andar, onde há diversos monitores que exibem documentários de 25 a 30 minutos sobre a música característica de 27 regiões da cidade.
Na sala A Cidade de Salvador e Sua Música, há uma exibição de documentários que contam a história da música característica de diferente regiões da cidade
"Selecionamos pessoas de cada bairro, que podem ser artistas ou não, que trabalham com música nesses bairros. Há pessoas famosas que nasceram ali ou que iniciaram carreiras naqueles locais. Fizemos entrevistas bem longas e acabou ficando tudo muito emocional", diz Gringo Cardia. No Pelourinho, destacam-se depoimentos de Majur e Virgínia Rodrigues; no Campo Grande, Léo Santana; a Boca do Rio é associada à invasão hippie; Itapuã, a Vinícius de Moraes e por aí vai...
No segundo andar, estão vídeos que contam a história da música da Bahia, em formato de minidocumentários, dedicados aos mais diversos ritmos e personagens. Tropicália, samba-reggae, samba de roda são alguns dos temas. Capinan, Caetano Veloso, João Gilberto e Jorge Portugal estão entre os homenageados nos vídeos.
A cenografia nesse pavimento é marcada por reproduções em tamanho ampliado das obras do artista plástico Genaro Carvalho (1926-1971). "Gosto muito do trabalho dele e queria um artista que representasse bem a arte de Salvador e tivesse a ver com música. E a produção de Genaro me lembra muito a Tropicália", justifica Gringo.
No último andar, estão as atrações mais interativas, onde é possível gravar músicas e clipes ou tocar percussão. Tem também uma sala dedicada ao trap e rap, que não estava no projeto inicial, mas Gringo decidiu incluir depois que convidou o rapper Vandal para recitar uns poemas de Gregório de Mattos. "Tive a ideia de pedir a Vandal pra trazer uma galera contemporânea, que faz rap e trap na periferia, que é conhecida lá, mas pouco conhecida em outras áreas da cidade".
O designer destaca a importância da recuperação do Casarão: "Era uma ruína e todos baianos lamentavam vê-lo se desmanchar. Ele dá o tom da Cidade Baixa, então era deprimente ver aquilo, porque a cidade tem uma relação simbólica com ele". Para o designer, é importante que o prédio não será apenas sede do museu e terá continuidade, já que o projeto prevê uma sala de espetáculos e uma escola para técnicos de música.
Ali, serão formados técnicos, que poderão atuar na área de iluminação, montagem de palco, maquiagem e figurino, por exemplo. "A música é muito mais que se apresentar no palco. Exige a atuação de muitos profissionais e Salvador, que tem um potencial muito grande, precisa desses profissionais. Tem uma juventude muito interessada em trabalhar nisso", diz Gringo.