40% dos carros alugados por motoristas de app são devolvidos na Bahia
O motorista de aplicativo Sérgio Henrique, de 55 anos, estava gastando R$ 120 diariamente para rodar em Salvador, em média, R$ 3,6 mil em um mês - R$ 600 a mais do que pagava na bomba. Na lista de despesas entra ainda, os R$ 460 semanais da locação do veículo. Dirigindo 12 horas por dia, ele tirava por semana R$ 1,5 mil. Com o litro do combustível passando dos R$ 7, a conta não fechou. Restou a Sérgio devolver o carro e correr para outras atividades, já que o Uber era sua única renda.
“Rodava Uber há cinco anos, mas com o preço que a gasolina está o impacto é considerável até porque a locadora também aumentou a diária, que custa, atualmente, R$ 60. Pego o veículo de meu irmão emprestado para fazer transporte particular e algumas corridas. Para complementar faço alguns serviços de pintura, pedreiro e trabalho com eventos na área de segurança”, afirma.
A situação de Sérgio é a mesma de muitos motoristas que estão abandonando o aplicativo por conta da alta dos combustíveis. Apesar de não ter dados consolidados ainda, segundo a diretora regional da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla-BA), Rogéria Alencar, até o momento mais de 40% dos carros foram devolvidos por motoristas de aplicativo às locadoras. Rogéria é também vice-presidente do Sindicato das Empresas Locadoras de Bens Móveis da Bahia (Sindloc-BA).
“Os aumentos sucessivos do combustível, por conta da política de preços da Petrobras é um dos principais fatores. Na retomada gradual, ocorreu ainda o aumento do valor do aluguel do carro, por falta de reposição. As tarifas dos aplicativos não acompanham essa realidade acima e os motoristas estão trabalhando mais e mais para conseguir pagar toda a conta sem ter um ganho efetivo substancial”, comenta.
O volume de devoluções só não é maior que no período de isolamento quando, entre os clientes no geral, o percentual chegou a 80%, já que ninguém estava saindo muito de casa. “Antes da pandemia vivíamos em constante crescimento, mas agora poucos motoristas de aplicativo estão resistindo. O setor de locação de tem contato com o crescimento da demanda de veículos por outros setores que estão absorvendo essa frota devolvida por aplicativos, seja locação empresarial, seja locação diária ou por assinatura. O pior impacto será para os motoristas que ficarão sem opção de trabalho”.
Já de acordo com Adriano Braz, diretor do Sindicato dos Motoristas por Aplicativo e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter-BA), em torno de 3 mil motoristas por aplicativo já precisaram devolver o veículo alugado para as locadoras em 2021. No entanto, ele não atribui o dado somente ao aumento sucessivo da gasolina.
“Os motoristas não conseguem manter o aluguel do veículo, pois as corridas não estão valendo a pena. Com o aumento dos combustíveis, essa situação só piora. As empresas estão fazendo promoções que inviabilizam o motorista de ganhar dinheiro. Se os preços das corridas acompanhassem a alta do combustível, não ia ter problema. ‘Ah, mas vai repassar para o cliente’. Paciência! O que não pode é repassar para o motorista, que já está no limite”, defende
Altas consecutivas
Conforme dados da Síntese dos Preços Praticados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na semana de 24 a 30 de outubro, em 58 postos pesquisados o preço máximo da gasolina comum para o consumidor, em Salvador, chegou a R$ 7,099. Na Bahia, em 196 postos pesquisados, o valor máximo no mesmo período ficou em R$ 7,299.
No último dia 25, a Petrobras havia comunicado mais um reajuste nos preços da gasolina e do diesel para as distribuidoras - segundo acréscimo no mesmo mês, já que no dia 9 de outubro, a gasolina já havia subido 7,2%. Com a nova alta de 7,04% em vigor desde a semana passada, o preço médio de venda da gasolina para o distribuidor passou de R$ 2,98 para R$ 3,19 por litro, um reajuste médio de R$ 0,21 por litro
Com um susto diário na bomba, não deu mais para o motorista Cláudio Santos, 49 anos, seguir rodando por aplicativo. Ele é mais um dos que devolveram o veículo que usava à locadora.
“Os meus ganhos diminuíram tragicamente, aí fui obrigado a devolver. Estou partindo para a área de turismo para tentar complementar minha renda”.
Por sua vez, o instrutor Isvi Uriel Lacerda, 28 anos, aproveitou a oportunidade de um emprego fixo para devolver o HB20 alugado por R$ 2 mil ao mês. “Teve dia que eu cheguei a sair para não ter nenhum lucro. Todo dinheiro que entrou foi para colocar combustível suficiente para rodar no dia seguinte. E o aluguel do carro também não para de aumentar. Quando eu comecei, em 2018, era R$ 1 mil por mês, a metade do que pagava antes de entregar”, diz.
Já o motorista Fábio Matos, 33 anos, ainda não devolveu o carro, porém, já não sabe mais o que fazer. “Tirava uma média de R$ 1,5 mil por semana e hoje, nem isso consigo fazer. Estamos trocando dinheiro, rodando só para abastecer. Antes eu colocava R$ 50 eram 10 litros de gasolina comum ou 13 litros de etanol. Agora, R$ 50 reais são 4 a 5 litros. Não dá pra fazer nada. Se eu pegar uma corrida do Comércio para Lauro de Freitas, quando volto, tenho que abastecer de novo”.
Apesar de não divulgar dados sobre a redução de motoristas na Bahia após o aumento do preço dos combustíveis, em nota, a Uber mencionou algumas medidas que a plataforma vem adotando para manter a parceria com os motoristas cadastrados. Uma delas é a parceria com postos como o Ipiranga em programas de devolução em cashback ao abastecer o veículo, além de outras ações como a campanha Grana Extra, que proporciona ganhos adicionais de R$ 150 a R$ 500 por semana, e a promoção Indique-e-Ganhe, que oferece até R$ 1,5 mil pela indicação de novos parceiros.
Estudante tranca faculdade e devolve carro
“Já foi o tempo em que ser motorista de aplicativo dava dinheiro. No começo era bom, mas agora é um absurdo. A sensação é que só o aplicativo ganha e os motoristas perdem”. Esse é um trecho do relato da estudante Jaqueline Cerqueira Marques, 28 anos. Ela se tornou motorista de aplicativo em 2019, para conseguir pagar a faculdade de direito depois que ficou desempregada. Um ano depois, com o aumento no preço da gasolina e redução no seu lucro, os estudos precisaram ser interrompidos. Logo depois, o próprio trabalho precisou parar. “
“Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo. Colocava a gasolina e acabava bem rápido até chegar o momento de ter um dia em que eu gastei mais dinheiro com gasolina do que o que eu ganhei no dia. Então, tive que parar”, confessa.
Confira a íntegra do relato de Jaqueline:
“Eu comecei a ser motorista de aplicativo há dois anos e meio. Fiquei desempregada e essa foi a saída que vi para me sustentar. Primeiro, usava um carro próprio. Depois, tive que me desfazer do carro e aluguei outro por R$ 575 na semana. Sofri um assalto, levaram o veículo e ainda tive que pagar a franquia de R$ 2 mil. Nenhuma empresa me ajudou nessa fase. Só disseram que sentiam muito. Depois, ainda aluguei outro carro por R$ 450 na semana. Esse foi o último.
Senti o baque, pois o valor não é barato. Às vezes tinha que pagar manutenção do carro e fora o valor da gasolina, o que é absurdo. Infelizmente, não dava para pagar todas as despesas e ainda me sustentar. Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo. Colocava a gasolina e acabava bem rápido até chegar o momento de ter um dia em que eu gastei mais dinheiro com gasolina do que o que eu ganhei no dia. Então, tive que parar.
Alguns passageiros não entendem o motivo de muitos cancelamentos de corrida, mas é que realmente não vale a pena algumas viagens. Eu entreguei o carro há um mês e meio, pois não estava mais aguentando. E depois que entreguei, a gasolina só aumentou.
Hoje eu não estou trabalhando. Estou procurando outra fonte de renda. Confesso que já pensei em voltar a ser motorista de aplicativo, mas quando penso no aluguel, gasolina e segurança... já sofri alguns assédios. Bastante, na verdade. Com a pandemia, a situação até melhorou, pois os passageiros não iam mais no banco da frente. Mas tem a falta de segurança de entrar em alguns bairros. Foram dois anos e meio de medo.
Eu era uma pessoa que fazia faculdade de direito. Tive que deixar, no início da pandemia, pois não conseguia mais arcar com os recursos. Já foi o tempo em que ser motorista de aplicativo dava dinheiro. No começo era bom, mas agora é um absurdo. A sensação é que só o aplicativo ganha e os motoristas perdem.
Quem tem seu emprego que o segure, pois eu não aconselho a ninguém ser motorista de aplicativo. Sinceramente, eu não consigo dormir de noite, pois penso nas minhas contas. O valor está chegando e não consigo arcar. Confesso que estou perdida. Todo dia muda alguma coisa no país. Salvador está perigoso... tudo isso é muito complicado”.
Viagens não mostram mais destinos
Há pelo menos três dias as solicitações de viagem no aplicativo Uber não mostram o destino para onde o passageiro vai. Essa é a denúncia feita pelo diretor do Sindicato dos Motoristas por Aplicativo e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter-BA), Adriano Braz, e confirmada por alguns motoristas que conversaram com a reportagem.
“Ontem eu rodei sem saber para onde ia. Era como acontecia quando o aplicativo surgiu na cidade. Só que a empresa tinha se comprometido, após a tragédia que aconteceu em Mata Escura, a mostrar sempre o local de destino aos motoristas antes deles aceitarem a viagem”, afirma. Essa tragédia a qual Adriano se refere é a chacina que matou quatro motoristas de aplicativo, em dezembro de 2019, em Salvador. Para o diretor, mostrar o local de destino das viagens é fundamental para a segurança dos motoristas.
“Hoje eu fiz uma corrida às cegas para a Baixa do Tubo, no Alto do Coqueirinho. Normalmente, eu não iria para lá. Só fui, pois tinha visto o local de destino quando a corrida foi iniciada. Ou isso é um bug ou a empresa está usando de má fé. Mas me estranha muito isso acontecer logo durante o feriadão. As outras empresas estão marcando o local de destino. É só a Uber que não está”, diz.
Na tarde dessa terça-feira (2), após a reportagem entrar em contato com a Uber pedindo um posicionamento sobre o assunto, Adriano disse que alguns motoristas começaram a relatar a normalização do serviço, mas que ainda haviam trabalhadores que estavam com o problema. A empresa não enviou o seu posicionamento até o fechamento da reportagem.