Entenda o impasse judicial que quer desocupar casa de show no Alto do Andu
O desembargador José Soares Ferreira Aras Neto, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), determinou, no final da tarde de ontem, que o governo do estado suspenda imediatamente o processo de desocupação do Alto do Andu e a demolição e destruição do imóvel residencial existente no local. O juiz concedeu o pedido liminar feito pelo ex-deputado Carlos Gaban. Aras mandou ainda que sejam notificadas as autoridades coatoras, “comunicando-lhes o teor desta decisão, e para a apresentação das informações pertinentes no prazo de 10 dias”.
“Destarte, considerando que os impetrantes colacionaram ainda fotografias que apontam a existência de maquinários pesados e caminhões com adesivo do Governo do Estado da Bahia na área, a respaldar, portanto, ao menos em cognição sumária, a afirmação de indícios de atos demolitórios, torna-se latente o perigo de lesão para os impetrantes, com a demonstração do risco ao patrimônio e, por consequência, da eventual irreversibilidade dos atos praticados pela Administração Pública”, escreveu o desembargador em sua decisão.
A disputa pela área, localizada em Pituaçu, tem mais de uma década. Na madrugada de ontem, mesmo sem uma decisão definitiva relativa ao processo, que ainda corre na Justiça, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) tentou desocupar o terreno.
Os funcionários do órgão chegaram a derrubar a cerca viva que delimitava o espaço, como conta Carlos Gaban, 71 anos, proprietário do imóvel. “Era tudo cerca viva e o estado veio pra derrubar hoje (ontem). Eles alegam que têm decisão, mas houve recurso e o processo não acabou. Eles não poderiam fazer isso, mas fui acordado às 4h no susto porque estavam invadindo e quebrando tudo”, diz Gaban, acrescentando que a propriedade é da sua família há mais de 50 anos
Indignado com a situação, Gaban repudiou a ação. “Estou surpreso e assustado em ver como o estado toma medida arbitrária sem ter o cuidado de ver que o processo está tramitando. Uma arrogância absurda eles virem invadindo dessa forma”, afirmou.
O Inema, por sua vez, diz ter respaldo jurídico para desapropriar a área e devolvê-la ao estado. Pelo menos, é o que garante Eduardo Topázio, diretor do instituto. “O Inema e o estado não fariam uma ação dessa natureza sem a devida autorização. [...] O fato de você pedir o recurso não quer dizer manifestação jurídica. Se houver manifestação para suspender a desocupação, obviamente que o estado vai atender”, disse Topázio.
Disputa
Em março de 2012, saiu o primeiro parecer favorável ao estado, que foi seguido de recursos. De lá para cá, o processo se arrasta. A intenção do estado de desocupar o espaço é ancorada em um último parecer favorável ao governo, dado em novembro de 2021. No entanto, Gaban afirma que também houve recurso e essa não foi a decisão que encerrou a disputa.
No último documento da 5ª Vara da Fazenda Pública, da Comarca de Salvador, o estado é convocado a apresentar manifestação sobre o recurso do proprietário. “Intime-se o Estado da Bahia para manifestar-se, no prazo legal, acerca da impugnação e documentação apresentada pela executada”, diz no processo. Para o Inema, porém, o documento não impediria a execução do processo de desocupação.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) foi procurada para falar se há respaldo jurídico na operação, mas não respondeu até o fechamento desta matéria. Advogado do proprietário, Estevan Alves classificou a operação como administrativa e não judicial. "Temos recursos especiais que precisam ser julgados e, inclusive, aguardam posicionamento do Estado. [...] Entramos com mandado de segurança porque é uma ação arbitrária. Mesmo que seja uma decisão administrativa, ainda cabe recurso, não é assim que faz", destaca o advogado.
Operação
Especialista em Direito Público, o advogado Kleber Freitas avalia a ação desta terça como uma decisão fora da legalidade. "Como ainda há a pendência do julgamento, o ideal seria aguardar o fim do processo. Tendo em vista que pode recorrer uma reforma da decisão, a atitude do Estado pode acarretar, numa conversão futura, em perdas e danos", fala Freitas, ressaltando que, caso a decisão mude, o Estado teria que ressarcir o proprietário do imóvel.
Ainda de acordo com o advogado, as ausências de um oficial de Justiça e um mandado por parte do Inema indicam problemas na condução do caso. Isso porque, para ele, a operação é administrativa e não judicial.
"Não pode passar por cima da Justiça. Não havia nenhum oficial ou um mandado de demolição da área, foi uma atitude apenas do Inema. Para esse tipo de situação, precisa de oficial de Justiça com documento que autorize a desocupação", pontua Kleber.
Casa antiga
A casa de shows Alto do Andu fica localizada nas imediações do Parque de Pituaçu. Famoso em Salvador, o espaço já sediou diversas festas musicais, atrações gastronômicas e culturais que passaram e ainda passam pela cidade.
Ainda indignado com a situação, Ricardo Gabam externou repúdio a ação que viu como falta de respeito à propriedade. "Estou surpreso e assustado em ver como o Estado toma medida arbitrária sem ter o cuidado de ver que o processo está tramitando. Uma arrogância absurda eles virem invadindo dessa forma", completa o proprietário.